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Mãe, Pai, é o José o vosso filho, quero apresentar-vos o Daniel, o meu namorado.

A homossexualidade na adolescênciaVou contar-vos a história do José, que poderia ser o Manuel, o António ou o João.

O José é um adolescente de 16 anos que tem um namorado, o Daniel. Resolveu contar aos pais.

E porquê José?

“ – Resolvi contar aos meus pais porque estou feliz. Resolvi contar aos meus pais  porque é importante para mim que saibam. Resolvi contar aos meus pais porque não consigo mais mentir. Resolvi contar aos meus pais porque quero ser com eles a pessoa que realmente sou.”

O Daniel é mais velho, tem 20 anos, quase 21 anos.

E porquê José? Porquê mais velho?

“ – Porque gostei dele. Porque me transmitiu paz, segurança, confiança na decisão, fez-me não ter medo e não me sentir anormal ou envergonhado por ser homossexual. Porque é maduro, porque me ensina coisas, porque já tomou uma decisão e não tem vergonha de ser quem é.”

O José quando contou aos pais disse-lhes a verdade. Que o Daniel era mais velho 4 anos, quase 5. Os pais reagiram mal. Tiveram receio que o José fosse enganado, fosse manipulado por um homem mais velho, que lhe fizesse mal e o estivesse a convencer de algo que ele não é. Proibiram-no do ver, disseram que é crime o que ele está a fazer.

E o que fizeste José?

“ – Senti receio do que pudessem fazer, podiam prejudicar o Daniel, a pessoa que eu gosto e não quero que nada de mal lhe aconteça por minha causa. Fiquei com medo e escondi a verdade, não quero que aconteça nada de mal ao Daniel. Encontrava-me com ele sem os meus pais saberem, era muito rápido, tinha sempre receio que pudessem saber e sentia-me mal por não lhes dizer a verdade. Raramente via o Daniel e quando o via ficava nervoso, sentia que estava a fazer alguma coisa de errado.

Sentia-me mal, triste, os meus pais de um lado, a quem sempre contei tudo, a quem queria contar o que há tanto tempo me custou admitir com medo do que poderiam pensar e o Daniel do outro… Nunca tinha tido ninguém que me desse tanto carinho, com quem me sentisse eu mesmo, que me respeitasse com tudo o que sou. Pela primeira não vivia numa mentira e agora vivia novamente numa mentira, quando queria viver na verdade. Senti-me injustiçado.”

 

O José entre a dificuldade de viver com a mentira aos pais e o querer estar com quem o fazia ser na verdade aquilo que ele era, sentiu-se dividido, triste, revoltado, a relação com o Daniel foi afetada.

E o que aconteceu José?

“ – Não consegui continuar assim, mentir aos meus pais não era solução para mim. Sentia que não estava a fazer nada de errado apenas queria estar com a pessoa que me fazia sentir bem respeitando aquilo que eu era e não tinha o apoio dos meus pais e era difícil perceber porquê, era difícil aceitar que eles não faziam um esforço para vencer um preconceito. Mas ao mesmo tempo, sem o apoio deles não me sentia bem, comecei a não estar bem com o Daniel, sempre com medo que me pudessem ver e os meus pais se desiludissem e fosse fazer queixa do Daniel, não podia deixar que isso acontecesse a alguém que só me fez bem. Resolvi deixá-lo. Foi triste, ficou triste, mas ele percebeu. Ficámos amigos. Eu continuei a gostar muito dele como gostei de outra pessoa.”

Em casa os pais não voltaram a falar sobre o assunto. Tornou-se um assunto tabu para todos que ninguém conseguia abordar, os pais com medo do que o José lhes poderia dizer e o José com receio de voltar a desiludir-se com a reação dos pais. O José tentou aos 17 anos voltar a abordar o assunto, contando aos pais que ia a uma discoteca onde iam muitas pessoas homossexuais. Os pais por ficarem chocados disseram-lhe que essas pessoas o influenciam e fazem com que não tenha oportunidades de encontrar raparigas para namorar. O José não concordou e calou-se.

E porquê José?

“ – A homossexualidade não se pega e eles parece que querem acreditar nisso. A homossexualidade não se apanha como a uma doença contagiosa. Não é uma doença. Nasce connosco, é a nossa orientação sexual, é apenas uma das nossas características, tal como são tantas outras. Se for a uma discoteca onde estejam apenas heterossexuais não passo a ser heterossexual por isso. Sinto que os meus pais pensam que eu escolhi namorar com homens, não entendem que possa mesmo só sentir-me atraído por pessoas do mesmo sexo, parece que decidi como decido comprar uma camisola ou o curso que vou tirar. O que eu decidi foi assumir o que sou cá dentro, o que decidi foi ser eu mesmo e encontrei pessoas que me aceitam como sou. Por vezes, em discotecas frequentadas maioritariamente por homossexuais ou em grupos de homossexuais sinto-me mais compreendido e mais seguro, sem me sentir tão julgado. No entanto, a maioria dos amigos que tenho hoje já sabem que sou homossexual e não se afastaram por isso. Sinto-me mais eu com estes amigos. Quando era mais novo, mesmo antes de me aceitar, frequentemente era chamado na escola de “- Maricas.” e outras palavras piores. Lembro-me de chorar e lembro-me de à noite ter pesadelos em que me obrigavam a estar com raparigas. Eu precisava do apoio dos meus pais, foi isso que eu quis, não me sentia bem e sabia que o caminho podia ser mais fácil com eles.”

Com o tempo o assunto deixou de ser referido, pelo José e pelos pais. O José tentou ainda algumas vezes abordar o assunto, ter uma conversa, respeitar o choque e estranheza dos pais, pôs-se no lugar deles, de acordo com a educação deles, tomando por base a sociedade em que estão inseridos, os valores, mas os pais sempre encararam como uma escolha. O pai chegou mesmo a discutir com ele quando o viu numa fotografia com um namorado, dizendo-lhe que ele era uma desilusão.

E depois José?

“ – Nesse dia chorei muito mas já tinha 25 anos. Compreendi que os meus pais não iriam aceitar e não tinham caminhado comigo como eu queria. Apesar disso consegui ser quem sou, ter o suporte dos amigos e ser feliz e conseguir lidar com o preconceito. Tornei-me advogado, tal como o meu pai sempre quis. Trabalho numa empresa importante, tal como o meu pai sempre quis. Ganho bem e tenho uma boa casa, tal como o meu pai sempre quis. Faço desporto, sou saudável, tenho a altura e o peso certo, as análises equilibradas, gosto de ler, ir ao cinema e teatro, como os meus pais sempre quiseram. Sou casado, como os meus pais sempre quiseram. Sou homossexual, como os meus pais nunca quiseram.

Tal como o José, aos 16 anos há muitos adolescentes e muitas adolescentes que depois de anos de se sentirem a ser pessoas que não são, a fingirem ser igual à maioria dos rapazes e raparigas da sua idade que querem namorar com pessoas do sexo oposto, de não conseguirem ser o que realmente são, decidem aceitar-se e procurar a aceitação do mundo da sua orientação sexual.

Para os pais é uma fase difícil, de conflito entre os valores e princípios da educação que diz que é errada a homossexualidade, de uma sociedade embebida de um preconceito, de um automatismo que na cabeça de cada um leva a que se considere que é errado gostar de pessoas do mesmo sexo. Cabe a cada um disputar uma batalha com esse preconceito, percebê-lo: o que será que é errado na homossexualidade? O que causa tanta confusão e estranheza?

Quando se tem um filho homossexual, ele pode esconder toda a vida a sua orientação sexual. Ele pode mesmo esconder de si próprio com medo de não aguentar pelos preconceitos que o rodeiam, pelas dificuldades que se impõem perante uma revelação dessas na sociedade em que vivemos. No entanto, dentro dele existe essa identidade, ela está viva e não é por se negar ou se esconder que ela muda.

Como em tantos outros assuntos do crescimento das crianças e adolescentes, cabe ao adulto pai/mãe decidir se o quer acompanhar nos seus caminhos, nos fáceis e nos difíceis. As vivências acontecerão na mesma, consigo ou sem si. A escolha é de cada pai, a escolha é de cada mãe. Muito difícil sabemos, mas sem dúvida, certamente, o seu filho para (con)viver com a sua homossexualidade vai agradecer-lhe se sentir que está com ele. Pode partilhar com ele as suas dificuldades, transmitindo-lhe que apesar disso estará com ele e o acompanhará.

A decisão é sua. Está disposto a (con)viver com a verdade?

 

Autor: Rita Castanheira Alves

Psicóloga clínica