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Autor: Filipa Jardim Silva

A vontade de mudar muitas vezes é proporcional ao receio de nos vermos diferentes. Em determinadas ocasiões habituamo-nos ao conforto de determinadas lentes de contacto e a roupas que sentimos como nossas, em algum momento deixámos de nos questionar se podia ser diferente, deixámos de nos questionar, ponto. Quando o habitual se torna desconfortável e sufocante e motiva-nos à mudança, existirão alguns momentos em que ao mudarmos de pele sentimo-nos vulneráveis. Tudo é melhor mas é novo, o que lhe confere um carácter algo assustador. As pessoas cativam espaço dentro de nós, os sentimentos habitam-nos, histórias antigas continuam arquivadas. Libertar tudo isso implica motivação, coragem e tempo.

Eis um texto que uma cliente minha me enviou esta semana aquando do final do processo psicoterapêutico. A metáfora da bicicleta é perfeita para exemplificar a libertação de um Eu antigo que dá lugar à adaptação e integração de um novo Eu, com os receios e vulnerabilidades inerentes, mas mais seguro de si. Pedi-lhe para partilhar estas palavras com a convicção de que irão inspirar muitas pessoas, tal como me inspiraram a mim.

“Aquando aprendemos a andar de bicicleta, há um momento, depois de nos tirarem as rodinhas, em que uma mão nos segura no selim, em que alguém corre constantemente ao nosso lado e nós pedalamos, pedalamos, pedalamos, sempre com esse alguém atrás, a manter-nos direitos, firmes e seguros no nosso caminho. depois de muitas correrias, há um momento em que a mão decide que estamos prontos para levantar voo sozinhos. mas nós, convencidos de que aquela mão continua no selim, de que é ela que nos mantém em equilíbrio, que nos salva de uma queda terrível, continuamos a pedalar sem medo, até ao momento em que decidimos olhar para trás, só para termos a certeza de que a mão ainda lá está. e quando o fazemos, esta, em vez de estar agarrada ao nosso selim, está bem longe, a acenar-nos, a encorajar-nos, a dizer-nos para não olharmos para trás, para continuarmos em frente. e nesse momento, nesse pequeno momento que pode durar apenas milésimos de segundo, uma de duas coisas acontece: ou, face ao desamparo de aquela mão que nos acompanhou todo este caminho já não estar lá, não conseguimos manter o equilíbrio e acabamos por dar uma valente queda e ficar com um ou dois joelhos esfolados, ou acreditamos que vamos conseguir, e aí enchemo-nos de coragem e confiança e continuamos o caminho sozinhos. sem rodinhas, sem mão, mas, curiosamente, muito mais fortes do que antes.”