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O ato de mutilar-se é muito difícil de ser compreendido pela maioria das pessoas. A dor, tão evitada, quando provocada, causa estranheza e repúdio. É preciso olhar de perto esta situação, aproximar-se para entender melhor e poder oferecer respostas mais adequadas àqueles que estão passando por isso. Mas há dois lados nessa moeda: a dos pais, familiares, amigos e a das pessoas que se automutilam.

Aos pais, familiares, amigos, sociedade:

Não digam que é para chamar atenção. Psicopatologias geralmente provocam este tipo de comentário por não terem uma causa evidente, um mosquito que picou, uma falta de vitamina, uma comprovação em exame de sangue. Geralmente os cortes são feitos em lugares que podem ser escondidos, como a parte interna das pernas. Logo, a maioria dos casos não é para chamar atenção, se fosse, seria em lugares visíveis, assim teriam muita atenção.

Uma das possíveis causas é o sofrimento com bulling, a questão de imagem e, principalmente, a falta de conversas abertas e acolhimento sobre esta e outras dificuldades que a pessoa pode estar enfrentando. Para a pessoa que se automutila, seria uma forma de tornar real, de trazer para o corpo, concretizar a dor interna. Em tempos em que o virtual  está tão presente e se sobrepondo ao real, tornar real essa dor pode ser um pedido por relações concretas e verdadeiras, onde há lugar para dores, imperfeições, desafetos, tristezas. É muito difícil sustentar tanta felicidade  quanto a das redes sociais.  É comum ler nos relatos a necessidade do sorriso no rosto para encarar a sociedade, enquanto se esconde a dor que se revela no privado, em lugares onde o mais íntimo, real e rejeitado podem ter lugar: o banheiro ou o quarto. Nesses lugares você pode ser quem você é: Humano, com o que há de melhor e pior. Ficar nu, lidar com seus cheiros e excrementos, lidar com as lágrimas, sua dor e o espelho. Nos outros ambientes sociais, dentro ou fora de casa, o que vale é o imperativo da felicidade, do estar bem. O adolescente fora desse padrão é rechaçado.

Sim, algumas pessoas se auto mutilam como uma forma de desafio ou motivado pela necessidade de pertencimento, para ser “legal”. Não cabe a ninguém julgar e definir entre comportamento que expressa dor subjetiva ou que expressa um desejo de aceitação. Em todos os casos, se você conhece alguém que pratica a automutilação, seu filho ou amigo, e você tem o real interesse em ajudar, aproxime-se, converse, compreenda e assim que possível, encaminhe para um profissional onde ele poderá ter os cuidados necessários

 

Às pessoas que se automutilam:

Por outro lado, vejo pais que não querem ver simplesmente porquê não sabem o que fazer, não sabem lidar com essa dor e com essa manifestação tão concreta. Afinal, não é uma das reações quando se tem medo, esconder embaixo das cobertas, cobrir os olhos, tapar os ouvidos? Temos adultos despreparados, tentando lidar com seus próprios fantasmas e com o próprio mundo real de responsabilidades.

Ser adulto também é difícil e a vida impõe seus desafios constantes em sua caminhada. Geralmente achamos que o adulto tem mais sabedoria por ter mais experiência de vida, mas e quando ele tem que lidar com algo novo, uma reação que desconhece como a da automutilação? Adulto também se perde e precisa de muita conversa para compreender o está acontecendo sem julgar. Entendo que é difícil falar, às vezes por falta de tempo, por distanciamento, perda da intimidade, mas conversar sobre o assunto poderia ajudá-lo a entendê-lo e assim te ajudar também, com outros recursos que já aprendeu como adulto.

O ato de cortar-se produz uma reação do cérebro que libera endorfina, e essa substância pode viciar e tornar este comportamento repetitivo. Este é um comportamento que você aprendeu e que talvez te sirva (serviu) por um tempo para lidar com alguns sentimentos. Uma estratégia que ajuda a quebrar esse ciclo vicioso é colocar gelo na região que se automutila. A área ficará anestesiada, dormente e o cérebro não liberará a recompensa da endorfina. Procurar pessoas para conversar, falar sobre seus sentimentos pode ajudar a deixar as coisas mais claras para você. Os profissionais “Psi”, psicólogos e psiquiatras, podem oferecer um suporte para você e sua família.

 

Mariana de Oliveira

Psicóloga/Psicodramatista Clínica e Sócio/Educacional

SEJA – Núcleo de Psicoterapia e Psicodrama

Formação em Terapia EMDR

CRP 04/27913