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Querido dono,

Eu sei que só te lembras de mim para te queixares que te fugi, mas gostava de te lembrar do que tenho para te oferecer. Talvez assim te organizes melhor. Não, não será para melhor me gerires; já sabes que sou rebelde e tenho vontade própria. Por muito que tentes encontrar um modelo de organização, eu arranjo sempre uma forma de te trocar as voltas. Então porque é que te escrevo, se não é para te ajudar a manter a ilusão de controlo? É apenas para que retires mais usufruto de cada tic-tac, sabendo o que lá estás a por.

Tudo o que fazes pode resumir-se em 3 categorias. Por um lado, tens as obrigações. E não estou a falar necessariamente das coisas aborrecidas. Estou a falar daquelas coisas que cumprem ser feitas – umas, de tão rotineiras, são feitas enquanto a cabeça está noutro lado. A banhoca de manhã, por exemplo. Arrumar a cozinha. Despachar aqueles emails, em que se responde mecanicamente. Também estou a falar das outras, em que excepcionalmente, ou apenas de longe em longe, pensar “ai que maçada!”. Preencher o IRS. Ir àquele casamento do primo que nem sabias bem que existia. Fazer o orçamento. São todas as coisas que têm de ser feitas, porque servem um propósito inevitável, mas que, por si só, não acrescem em nada à tua felicidade. Por outro lado, ajudam-te a manter a sensação de estrutura e dever cumprido; a por um “check” na lista das coisas que têm de ser feitas e te mantêm a noção de que dominas a tua vida.

Depois, tens as gratificações. E eu sei que raramente te apercebes delas, mas só porque ninguém te explicou a sua importância. As gratificações são qualquer tarefa ou actividade que te faz esquecer de tudo em volta – sim, até de mim! Aquelas coisas que, para ti e apenas para ti, te absorvem e mobilizam e tu fluis em concentração. Dizem-te “vem almoçar”, tu respondes “vou já” e, quando dás por isso chegas a tempo de jantar. De alguma forma estranha, estas actividades balanceiam-te internamente de uma forma poderosa. E nem se pode dizer que gostes delas Nem que não gostes. Talvez antes pelo contrário. São apenas actividades que têm o estranho poder de te atirar para outra dimensão de consciência. Talvez programar uma folha de cálculo. Fazer um puzzle. Pintar. Fazer sudoku. Jogar golfe. Estruturar um plano de negócio. Fazendo, descobres com surpresa que algo funciona como uma gratificação para ti. E as gratificações serenam e contribuem para o teu bem-estar.

E, finamente, tens os prazeres. Ah! Esses conheces bem, certo? Até a publicidade grita pelo direito aos prazeres e tos promete como algo a ambicionarmos na vida, em cada bloco de tempo. E desesperas por eles normalmente a meio das obrigações que te desgastam, certo? São todas aquelas actividades que te resultam agradáveis – nem é preciso explicar-te isto. Mas talvez seja bom lembrar-te que também são as actividades que se esgotam no bem-estar que te proporcionam. Hem? Então… Gostas de praia e de te esticar ao sol, sem uma única preocupação nesse momento que não seja o de te bronzeares em segurança. E talvez debateres internamente se preferes continuar aí, na toalha de praia, a fazer de lagarto, ou se queres um mergulho refrescante. Mas imagina que eu te ofereço todas as horas possíveis. Logo te fartas de praia, certo? E de gelados de chocolate. E de cinema. Ou de estar com os amigos. Um prazer dá prazer durante um tempo delimitado, quase como se fosse preciso o intervalo para voltar a ter o poder de te dar satisfação.

Agora já sabes dar nome às actividades que pontuam o teu dia. E daí? Porque é que me dei ao trabalho de te escrever? Apenas para que saibas nomear o que fazes? Ora… Eu sou ocupado, que o tic-tac constante dá muito trabalho. Não ia escrever-te apenas por isso! A minha esperança, ao leres isto, é que comeces a equilibrar melhor os minutos do teu dia, sabendo que há um tempo para tudo e que tudo é importante para o teu equilíbrio. Cumpre as obrigações, sabendo que são desinteressantes, mas a tarefa cumprida cala ansiedades. Investe nas gratificações, sejam elas trabalho ou passatempo, sabendo que são momentos de quietude interna, mesmo quando parecem obrigações. E polvilha com prazeres, diversificados e distribuídos no tempo, que te arregaçam sorrisos e aligeiram o bater do coração.

E por hoje era tudo o que tinha para te dizer. Se me quiseres responder, sabes que estou sempre presente. A fazer tic-tac. À espera que me uses com racionalidade e propósito. Porque sabes que eu nunca volto atrás!