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Cláudia D. Rodrigues

Cláudia D. Rodrigues

Muitas pessoas dizem-me que “sofrer não é bom sinal”, falam-me de queixas/sintomas (suas ou de outros) como fenómenos que leem à luz das interpretações popularizadas da Clínica psicopatológica, ou de outras “reduções”. Outras vezes são leituras apressadas, na ânsia desesperada de não sentir mais desconfortos, tantas vezes já demasiado prolongados no tempo.

Mas há outras situações. Com medo das consequências ou em ansiedade, muitas pessoas olham com desconfiança para os mínimos sinais do sofrimento humano, outras vezes tentam teorizações com base em comparações apressadas ou parciais (tantas vezes tendo como referência “exemplar” as suas próprias soluções presentes ou passadas. Muitas vezes numa lógica de procura pelos vencidos e vencedores). Não podemos deixar de ver nesta pressa uma lógica instintiva (ou primitiva), baseada em visões parciais… E numa visão parcial, há muito que fica de fora. Não há como assim podermos medir a qualidade de vida ou o sentido norteador que a dor emocional pode ter para o/a humano(a).

Nessa lógica muitas pessoas revelam ânsia, ou mesmo desespero, por sorrisos branqueados ou por perfumes de aparente leveza e suavidade – hoje muitas vezes confundidos com “espiritualidade”, e abusivamente denominado “estado zen”. Porém, quanto mais séria (e observável em acções e intenções concretas) é a força de crescimento pela qual uma pessoa se rege, mais parece que inevitável é haver períodos de sofrimento em consciência. Tal como as dores de crescimento que muitos têm na altura da adolescência, ou mesmo como aquelas mais fortes que mães têm no parto, inevitável também são as dores de crescimento emocional, tal como as dores relacionadas com determinadas mudanças de vida.

Aqui falamos de algo diferente, vamos além de um sofrimento que se evita ou que se nega, mas também ficamos aquém de um sofrimento que é hipervalorizado ao ponto de não vermos mais nada. Através desta outra forma de viver em consciência, vamos ao encontro de um sofrimento que procuramos identificar, reconhecer, e conhecer melhor, e assim poderemos devolver-lhe o seu valor fundamental. Falar do valor fundamental da dor e do sofrimento, é falar de uma outra forma de nos escutarmos, e de uma outra forma de valorizarmos as nossas necessidades. Uma inflamação tem sempre um bom motivo para surgir, e sem ela nunca poderíamos saber que algo nos chamava a atenção, p.e. para o seu melhor tratamento.

Não quero aqui advogar o Estoicismo stricto sensu,não. Falo-vos antes da coragem que precisamos para olhar para as evidências daquilo que dói na alma, bem como para aquilo que pesa, ou que se prende, no/ao corpo.Falo-vos aqui da coragem para irmos além do medo, da fuga maníaca, ou do controlo obsessivo que procura evitar ou adiar o inadiável. Falo-vos de irmos além da própria dor e da doença, falo-vos da possibilidade de irmos até aos seus significados e sentidos para a própria vida. Procuro aqui, deste modo, contribuir para uma desmistificação da dor emocional e dos processos psicoterapêuticos ou de desenvolvimento pessoal, e para melhor ilustrar esta visão, que se quer de esperança e de coragem, sugiro terminarmos com as lúcidas e ousadas palavras do Prof. Raul Guimarães Lopes (1990):

“À luz do sofrimento o homem fica despido das suas escórias, das suas inutilidades e futilidades, mas quando chega a superar faz aparecer (luzir) o seu valor, mesmo se a doença for crónica ou terminal. O ouro só se destaca do minério que o contém, pelo fogo. A provação do sofrimento é prova de fogo. […] O fenómeno sofrimento no plano ôntico revela finitude, não-poder, contingência, vulnerabilidade, mas também, como purificador do inautêntico, coragem e verdade de ser o que se é. Permite ainda interligar mais intimamente o fenómeno humano que o transcende, que está do outro lado da penosa subida a que se deu aso. […].”