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Autor: Rita Castanheira Alves

Um dia as pessoas de quem gostamos vão embora e já não voltam

A Maria tem 6 anos e vê o tio doente, de quem gosta muito e com quem todos os dias costumava brincar, muito, aos saltos, que nem dois grandes companheiros. Agora o tio está doente. Não consegue brincar, todos têm de falar muito baixinho e ele já não dá aquelas gargalhadas e a Maria tem saudades.

Perguntou à mãe se o tio voltava a dar gargalhadas das dele e rebolar no chão e a mãe não sabia o que responder. Abraçou-a muito e disse-lhe que todos queriam muito que o tio voltasse a rebolar no chão mas que ele agora precisava de descansar muito.

A Maria esperou e voltou a esperar, não podia visitar o tio porque ele tinha que descansar sozinho no hospital, muito sossegadinho e houve um dia que a mãe lhe disse que o tio teve que descansar para sempre, estava muito doente e que não podia viver mais. A Maria ficou zangada, ficou triste, ficou confusa, nem ela sabia bem como ficou, ficou sozinha, sem o tio que rebolava no chão e não ía rebolar mais.

Não queria falar sobre isso, nem pensar nisso, parecia que não era verdade e ele havia de aparecer, gargalhar e ir saltar com ela. Ficava muito tempo calada, irritava-se muito e os pais choravam às vezes e a Maria não queria chorar para não ficar triste. Devagarinho, a mãe enquanto lhe fazia festas na cabeça e sem lhe fazer perguntas, dizia como se adivinhasse o que ela sentia, com muita calma de mãe, que sabia que ela estava muito triste e que tinha saudades do tio, dizia-lhe que perder alguém é muito difícil e sentimo-nos muito confusos, como se não fosse verdade. E dizia-lhe sempre que o tio não está com ela fisicamente, mas que ela vai sempre ficar no coração e na memória com os momentos que passou com o tio, com as conversas que teve com ele e com tudo aquilo que foi tão bom com ele. Foi sempre dizendo com muita calma e paciência de mãe, mesmo quando a Maria dizia que não queria falar ou ficava irritada e dizia que já tinha passado.

Sugeriu à Maria que se lhe apetecesse podia fazer desenhos para a ajudar a lidar com a saudade que tinha do tio, podia se ela quisesse escrever uma carta com a mãe ao tio. Sempre com muita calma e sem insistir.

Com o tempo, a Maria foi sem saber como aprendendo que o tio já não ía bater à porta, não ía aparecer para rebolar no chão com ela ou para lhe contar uma história daqueles muito cómicas. Com o tempo ficou uma saudade muito grande mas que a Maria sem saber porquê começou a conseguir conviver com ela e a não ficar tão triste quando se lembrava do tio. Há dias que ela sonha com ele ou vê alguém na rua muito parecido com ele e sente uma coisa esquisita no coração e na garganta, mas depois passa e cada vez acontece menos. Quando acontece isso, a Maria fala com a mãe, sabe que não fica mais triste por falar, até se sente mais aliviada com o abraço da mãe que lhe sorri e a abraça e lhe diz que é natural termos saudade de quem gostamos.

A Maria vai crescer, dos 6 anos, vai passar para os 16 e depois para os 26 e daí vai continuar. Com o tempo a recordação do tio fica esbatida, faz parte de uma recordação que vive na nossa memória e com a qual nos habituamos a viver dessa forma, como uma fotografia, um filme que guardamos. Vai recordar-se que teve um tio que rebolava com ela e dava grandes gargalhadas, vai voltar a sofrer com a perda de outros que lhe são muito próximos, mas vai lembrar-se do abraço da mãe, vai lembrar-se da tranquilidade que é necessária para vivermos a perda de alguém. Sem acelerar, sem deixar nenhuma lágrima lá dentro, sem fingir que não temos saudades. Há que permitir que as crianças, tal como os adultos vivam o tempo de perda, de tristeza, passando pela confusão, a negação e a vivência do vazio de termos alguém ontem aqui connosco e hoje já não está e não vai voltar.

A Maria voltou a rebolar pelo chão, com um riso tão bom, sempre com o tio na sua recordação.