Falamos de quê, quando falamos de vinculação?

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Falemos de vinculação

Como muitos outros conceitos que passam a fazer parte do vocabulário corrente, importa esclarecer de forma precisa o que é a vinculação e, sobretudo, qual a sua importância para um crescimento e desenvolvimento harmonioso.

A vinculação pode ser entendida como um laço afetivo entre dois indivíduos que se fortalece através do espaço e do tempo e serve para os juntar emocionalmente, sendo que a vinculação precoce se desenvolve como o resultado das interações entre a criança e o seu cuidador.

 

John Bowlby considera que a evolução do sistema de vinculação tem uma vantagem seletiva: a proximidade das figuras adultas protetoras é útil na luta contra os perigos do meio ambiente. O mesmo autor refere que existe uma necessidade biológica de procura e manutenção de contacto com os outros e um impulso para manter a proximidade que, embora se iniciem na infância, marcam presença por toda a vida. De facto, ao longo da infância o sistema de vinculação serve para proteger as crianças do perigo, para facilitar a sua exploração do ambiente, para fornecer um sentimento de segurança e confiança, desempenhando ainda um importante papel na regulação da proximidade física. O conforto proporcionado pelo contacto é, tal como a alimentação, uma necessidade pré-programada. Bowlby enfatiza ainda que a figura de vinculação não tem que ser necessariamente a mãe biológica, podendo ser qualquer pessoa que ocupe o papel de principal cuidador.
O mesmo autor defende que a vinculação nas crianças se desenvolve através de um reportório de comportamentos (chorar, chupar, sorrir, agarrar e seguir) determinados geneticamente e que amadurecem em vários momentos – desde o nascimento até aos vários meses de idade – centrados na figura de vinculação. Além disso, enfatiza a natureza ativa do comportamento de vinculação e acredita que a ansiedade de separação ocorre quando o comportamento vinculativo é ativado pela ausência da figura de vinculação. Neste sentido, o sistema de vinculação é semelhante a um processo de feedback, ou seja, se a criança percebe a acessibilidade do cuidador e a ausência de estímulos ameaçadores é naturalmente ativado o comportamento exploratório. No entanto, se tal não ocorrer, desencadeiam-se comportamentos que têm em vista atingir a proximidade com a figura de vinculação e restabelecer a segurança.

 

Encontramos frequentemente crianças que, não obstante os abusos ou negligências a que foram submetidas pelos pais ou cuidadores principais, exibem vinculações fortes aos mesmos. É-nos muitas vezes difícil aceitar e compreender esta aparente “lealdade” e vinculação, sobretudo quando o impulso nos diz que salvemos as crianças desses pais ou cuidadores. Contudo, uma análise acerca da base instintiva e biológica da formação de vinculações ajuda a compreender melhor. A necessidade de uma base emocional é um requisito primordial. Quando confrontada com a perspetiva de separação dos pais, com pouca ou nenhuma compreensão de quais poderão ser as alternativas, até a criança mais mal tratada ou negligenciada demonstrará ansiedade de separação dos mesmos.
Focando a questão da exploração do ambiente, existe, de facto, durante a infância, uma relação mútua entre a função protetora de vinculação e o comportamento exploratório da criança. A presença de uma figura de vinculação, principalmente uma que seja encarada como acessível e sensível, deixa o bebé recetivo à estimulação que pode, então, ativar a exploração. Verifica-se que as crianças seguras de um ano de idade, em comparação com as inseguras, virão a ser, no futuro, mais cooperativas, competentes e simpáticas na interação com os pares, mostrando-se menos agressivas e evitantes. Em situações de liberdade, estas crianças têm longos períodos de exploração e, em situações de resolução de problemas, são mais persistentes e demonstram maior interesse (Ainsworth, 1979).

 

À medida que a vinculação se desenvolve continuam a ocorrer transformações e reintegrações com subsequentes aquisições como a emergente autonomia e a entrada no mundo dos pares. A vinculação, tal como outros aspetos desenvolvimentistas, é uma tarefa do ciclo de vida que requer coordenação e integração contínua à medida que nos vamos adaptando ao nosso meio ambiente, não se restringido ao início da vida.

 

É o sistema de vinculação que mantém a proximidade e o seu correspondente interno, o sentimento de segurança. Tudo o que favorece a proximidade, dando uma sensação de segurança, favorece o comportamento de vinculação. Esta noção de segurança conduz a um outro conceito, o de base segura, que se refere à confiança de que uma figura de apoio, protetora, estará acessível e disponível, o que sucede independentemente da idade do indivíduo.

 

A Teoria da Vinculação relaciona a qualidade das vinculações precoces com o funcionamento emocional ao longo da vida, i.e., considera que o desenvolvimento de um self como um “ser sócio-emocional” é mediado pelas relações com as outras pessoas, as quais são, por sua vez, mediadas pela comunicação. A mesma teoria também considera que a linguagem, o desenvolvimento cognitivo e moral estão dependentes da qualidade das relações de vinculação precoces.

 

Ainsworth, M. D. S. (1979). Infant-mother attachment. American Psychologist, 34, 932-937.
Bowlby, J. (1990). Apego e perda: Vol. 1. Apego (Álvaro Cabral, trad.). São Paulo: Martins Fontes (obra original publicada em1969).

Rita Fonseca de Castro
Rita Fonseca de CastroPsicóloga Clínica e terapeuta de casal
2017-05-07T12:11:44+01:0017 de Abril, 2016|
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