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Autor: Vanessa Damásio

Nos últimos tempos tem-se verificado um crescente aumento de agressões por parte dos filhos aos seus pais. Este facto, claramente anti-natural e que deturpa as estruturas das relações nas famílias é acompanhado de várias mudanças do mundo atual relativamente às pautas e valores pelos quais os seres humanos se regem, e que transforma a forma como cada um de nós se vê a si próprios e aos outros.

A maior parte dos protagonistas deste tipo de agressões são crianças ou adolescentes do género masculino, entre os 7 e 18 anos, mas especialmente entre os 15 e os 17. Segundo os estudos, e contra o que se poderia inicialmente pensar, no geral este tipo de comportamento verifica-se com mais frequência em famílias de classe media e alta, do que nas de classe mais baixa (Cottrel, 2001).

Esta violência evidencia-se tanto de forma física como psicológica, desde ameaças e insultos a agressões físicas de intensidade distinta. Este tipo de violência ascendente, reflete-se também na oposição e rejeição de todas as regras e limites estabelecidos pelos pais, fugas de casa, abandono dos estudos, com o intuito de magoa-los, controla-los e sobrepô-los.

No geral, os pais vão aguentando esta situação, desculpando os filhos devido à sua idade, à sua personalidade, ou até pela vergonha de sentirem o seu fracasso como pais, até que as agressões vão-se intensificando, chegando a um ponto insuportável, e “não aguentam mais”. A sensação de impotência e vergonha torna-se crescente e os pais chegam ao ponto de passar também eles à agressão física e/ou psicológica do filho, como forma de defesa e por não verem outras saídas possíveis. Neste sentido, o conflito familiar torna-se caótico, e as relações giram em torno da violência, num ciclo que se retro-alimenta.

Os estudos indicam que as possíveis causas para esta violência de pais para filhos pode estar relacionada com distintos fatores, primordialmente com fatores relacionados com a educação familiar e com a violência aprendida, para além dos traços específicos de personalidade de cada criança, a sua própria visão do mundo e forma de reagir ao mesmo.

Alguns destes agressores foram educados no sentido do preenchimento imediato de todos os seus desejos, sem exigências e responsabilidades, acabando por crescer com a ideia de que são únicos e especiais, não tendo assim consciência de regras morais que regulam a convivência. Os outros passam a ser meros instrumentos para a satisfação dos seus desejos e quando estes são recusados, partem para a agressão. Negam a existência de pautas de comportamento externas à deles, não aceitam outros pontos de vista e não sentem o dever de cumprir.

Por outro lado, observa-se também a influência da violência aprendida, segundo o princípio que “violência gera violência”. Quando desde pequenino se aprende que os conflitos se resolvem com violência, e que esta permite prevalecer, caso se vá observando que o pai bate na mãe, ou que os pais batem em colegas ou vizinhos, então esta mesma estratégia é adotada inclusivamente contra os próprios pais, de forma a serem os filhos a controlar e a mandar em tudo. As crianças desde cedo interiorizam que a violência contra os pais é um instrumento eficaz de comunicação das suas emoções e pensamentos, bem como de controlo e superioridade.

È ainda visível que este tipo de comportamentos se verifica no seio de famílias desajustadas em termos afetivos, ou em que há um a grande ausência de uma figura masculina, ou ainda em famílias de filhos únicos.

Um dos elementos comuns a este tipo de sistema familiar de filhos agressores é ainda a dificuldade e até medo que os pais desde cedo têm em impor limites, regras e disciplina.

Por outro lado, quando os pais são extrema e excessivamente rigorosos e penalizadores, parecem surgir também comportamentos de revolta e violência aos pais.

Para além disto, as investigações indicam que parece haver uma ausência de fatores genéticos e hereditários entre pais e filhos agressores. Parecem tratar-se de atos de cariz mais ambiental e familiar do que biológicos (Chartier, 2000).

Este fenómeno de violência torna-se extremamente preocupante e requer intervenção especializada a nível individual para filhos e pais e primordialmente a nível de terapia familiar com todos.

Para prevenir este tipo de comportamentos, a coerência e o afecto serão os elementos fundamentais.

È importante que os pais possam manter sempre os mesmos critérios desde tenra idade dos seus filhos (em que um “sim “ é um “sim” e um “não” é um “não”) havendo ainda continuidade e permanência desses critérios ao longo do tempo. Neste contexto, é também importante a imaginação e a criatividade para motivar e desviar a insaciabilidade da criança, estando com ele nos seus jogos e brincadeiras, partilhando desejos, que assim se convertem em desejos de “todos” e podem ser modificados (Rodríguez, 2004).

Também a escola tem um papel fundamental, devendo utilizar procedimentos inclusivos desde cedo, que fomentam a resolução de conflitos entre as crianças de forma pacífica e comunicativa.
É ainda importantíssimo que os pais possam transmitir um verdadeiro afeto aos filhos, de forma a que eles o sintam, de forma vital e quotidiana.

Simultaneamente, os pais serão como um chapéu-de-chuva protetor da criança diante dos demais. Mas tal deve ser acompanhado com “educação para a responsabilidade” (em que a criança se torna responsável pelos seus atos e decisões) e com “educação para a empatia” (Naouri, 2003), ensinando-os a colocar-se no lugar dos outros, rompendo com as tendências individualistas e egoístas, para passarem a ser indivíduos solidários e felizes com eles próprios, com as suas famílias e com a sociedade.