Tempo de Leitura: 2 min

A Francisca procurou-me com sintomas de ansiedade e depressão. Queixava-se de uma angústia constante, um aperto no peito que a fazia ter de suspirar constantemente. Chorava com muita facilidade, sentia-se constantemente triste e sem energia para nada. Adorava o seu trabalho mas já não tinha paciência nem ânimo para o fazer. O casamento também estava a ressentir-se, pois sentia-se de mau humor, indisponível para o marido, cansada e sem vontade de se divertir, sair ou fazer qualquer tipo de atividade.

 

Comecei então a mergulhar na história da Francisca, a tentar descobrir o que aconteceu no seu processo e o que despoletou esta reação intensa.

 

Francisca, com 34 anos, tentava engravidar há dois. Depois de muitas tentativas falhadas, finalmente obteve o tão sonhado positivo, mas o sonho não durou muito tempo, pois numa ecografia descobriu que o embrião não tinha batimentos cardíacos. Diagnóstico: perda gestacional às dez semanas. Um aborto retido, visto que o corpo não expulsou o embrião naturalmente. Para Francisca, o seu mundo tinha desabado ali mesmo. Sentiu-se imensamente triste, injustiçada, desesperançada. O marido, que também passava pelo seu processo de perda, lidou com o assunto da forma que pôde e não foi capaz de dar à Francisca aquilo que ela precisava de ter recebido na altura – amor, cuidado e paz. O sofrimento dele impediu-o de estar presente da melhor forma para a sua mulher, causando uma rutura na relação.

 

Francisca começou o processo de ir à maternidade avaliar a situação e a necessidade de fazer uma intervenção cirúrgica para retirar o embrião. Nas idas deparou-se com uma realidade que ainda é mal pensada nos serviços que atendem mulheres nesta situação. Uma mulher que aborta espera na mesma sala que as grávidas e vê vídeos de bebés e de mulheres grávidas. Isto foi extremamente traumático para Francisca – sentia-se a morrer por dentro naquela sala de espera.

 

A família, numa tentativa de a ajudar, dizia coisas como “calma querida, dez semanas ainda não é nem um bebé, são apenas células”. Ela sentia que tinha perdido um filho, um sonho, um projeto, e sentia-se incompreendida pelo mundo, criando uma sensação de isolamento e de solidão profundos.

 

Depois da intervenção cirúrgica, Francisca pôde finalmente recuperar fisicamente de todo o stress que sofreu, mas a sua dimensão emocional não recuperou. Passou a isolar-se, a sentir-se constantemente triste, a ter uma visão mais negativa de si, dos outros, do mundo. Este mal-estar prejudicou-a em termos profissionais (o rendimento diminuiu, as chamadas de atenção aumentaram) e em termos pessoais. E todos estes custos só serviam para agravar mais o processo de depressão e de ansiedade.

 

No nosso trabalho conjunto foi necessário criar um ambiente de total aceitação da sua dor e da sua história, diminuindo a sensação de isolamento. Fizemos EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) para trabalhar as imagens traumáticas que eram extremamente invasivas, fazendo com que revivesse a dor vezes sem conta. O marido participou no processo, realizando também terapia com outro psicólogo, o que permitiu que, ao trabalhar a sua dor, passasse a estar mais recetivo e próximo da mulher.

 

Finalmente, começou a ser possível a Francisca tirar algum sentido de tudo, encaixando a história como mais um capítulo da sua vida, duro, mas ultrapassável.

Hoje está melhor, mais feliz, e mais preparada para poder vir a ser uma mãe excelente. Entregou-se com coragem e determinação ao seu processo terapêutico, retirando dele resultados válidos para o resto da sua vida.

 

Autor: Fabiana Andrade