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Autor: Helena Almeida

Quando lidamos com narizes de Pinóquio… temos de ser Gepetos

De vez em quando, os narizes dos mais pequenos tendem a “crescer”, por vezes com maior frequência do que seria desejável. O recurso à mentira ou a tendência para esconder a verdade é algo que assusta os pais e demais cuidadores das crianças, até porque avaliar a veracidade do que é dito a cada momento é uma tarefa impossível.
Muitas vezes, na tentativa de aferir a verdade, os adultos tendem a fazer uma espécie de “prova dos nove”: perguntam várias vezes a mesma coisa, pedem que a criança reconte o sucedido repetidas vezes, fazem uns bluffs ocasionais… enfim, transformam-se numa espécie de “detetives da verdade”. E que incansáveis são estes detetives!
A necessidade de saber o que realmente aconteceu é justificável. Só assim os adultos conseguem ajudar a criança a regular e corrigir comportamentos e assegurar a sua segurança e bem-estar. Contudo, ao vestirmos o papel de detetive tendemos a usar e abusar deste. E o nosso verdadeiro papel? Quem o desempenha? E será que estamos a ajudar a criança a verbalizar a verdade?
Em primeiro lugar importa perceber o que é a mentira e por que razão mentem as crianças. Por vezes, interpretamos como mentira uma verbalização que dá conta de uma interpretação errada por parte da criança daquilo que ouviu ou porque não compreendeu a pergunta que lhe foi colocada. Outras vezes, a suposta mentira nasce no imaginário da criança, especialmente se esta for ainda muito jovem, altura em que ainda é dificil destrinçar a realidade da fantasia.
A verdadeira mentira, essa, implica alguma intencionalidade e está normalmente associada sobretudo a dois aspetos: evitar castigos ou desiludir o outro, ou conseguir algo que deseja muito. Assim, podemos ver alguma legitimidade no recurso à mentira, contudo é importante não a validar nem reforçar o comportamento de forma negativa.
A mentira frequente pode estar associada a sofrimento emocional e constitui um padrão de comportamento desadequado. Muitas vezes as mentiras são um recurso usado quando a verdade é demasiado dolorosa ou humilhante, ou como chamada de atenção.
O recurso à punição e ao castigo deve ser evitado, visto que reforça a tendência para utilizar a mentira como estratégia de evitamento; antes se deve procurar reforçar a relação de confiança, assegurando à criança que, por muito mau que tenha sido o comportamento, o importante é que ela seja capaz de o partilhar com os adultos próximos para que estes possam ajudá-la. Por vezes, será necessário que a própria criança sinta que o comportamento que quis ocultar teve consequências, nestes casos, mais do que castigar, é importante reenviar a criança para comportamentos que tendam à reparação do dano causado sem que tal seja conotado com um castigo, mas sim um assumir de responsabilidades.

Deixo-lhe algumas estratégias:

Evite rótulos. Dizer mentiras é diferente de ser mentiroso. Ao atribuirmos uma característica à criança que na realidade é só um comportamento, poderemos estar a promover a identificação da criança com o rótulo e a promover a própria mentira.

Dê o exemplo. Um simples “Diz que eu saí!” para evitar um telefonema indesejado valida o recurso à mentira.

– Explicar o recurso amplamente aceite e até necessário do uso de “mentiras piedosas” é igualmente importante. Clarifique que existem opções que não implicam mentir, por exemplo, ao receber um presente de que não gostou pode simplesmente agradecer.

Quando a criança mente, o assunto deve ser abordado com calma, sem ameaças de castigos ou de ressentimentos para com ela, pois apenas reforçará a tendência para mentir de forma a evitá-los.

Evite dar oportunidade à mentira. Se já sabe que a criança não fez os trabalhos de casa, porquê perguntar se estão feitos? Prefira dar a entender que já sabe e que a quer apoiar: “A tua professora diz que não tens cumprido com os TPC, será porque tens sentido dificuldades em que eu possa ajudar?”.

Premeie o comportamento positivo. Dizer que agimos mal ou que falhámos de alguma forma é difícil, especialmente quando o temos de fazer perante as pessoas mais importantes para nós. Elogie e reconheça a coragem da criança em fazê-lo. Promova a reparação do dano causado em vez do castigo.