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O cérebro e tudo o restoSandra Aamodt é neurocientista e escritora científica, co-autora de livros populares como “Welcome to Your Childs Brain” e “Welcome to Your Brain: Why you lose your car keys but never forget how to drive and other puzzles of everyday life” publicado em 2008 por vinte e quarto editoras internacionais. A Associação Americana para o Avanço da Ciência elegeu-o em 2009 como “Young Adult Science Book of the Year”. Publica frequentemente em jornais como o The New York Times, Washington Post, El Mundo e Times. Em Junho de 2016 será publicado o seu mais recente trabalho: “Why Diets Make Us Fat: the unintended consequences of our obsession with weight loss”.

Licenciou-se em Biofísica na Universidade Johns Hopkins e concluiu o seu doutoramento na Universidade de Rochester. Após alguns anos de investigação pós-doc na Universidade de Yale, juntou-se à Revista Nature Neuroscience aquando da sua criação em 1998 e foi editora-chefe entre 2003 e 2008, um jornal científico de renome na área de investigação em neurociências. Tem assegurado inúmeras apresentações para pais, em escolas, em organizações sem fim lucrativo, em diversas organizações, universidades, conferências científicas e participou no TedGlobal em Junho de 2013 com a apresentação “Porque é que as dietas geralmente não funcionam?”.

A Sandra vive com o seu marido na Califórnia do norte com um cão e dois catos. Partilha que há alguns anos partiu numa viagem a dois em que velejou pelo Oceano Pacífico desde São Francisco até Nova Zelândia e o trajeto de regresso. A Sandra adora viajar, fotografar, caminhar, cozinhar e escrever.

 

  1. Como neurocientista, a Sandra tem partilhado as mais avançadas ideias em neurociências de uma forma muito acessível a toda a gente. Na sua opinião, de que forma o campo da neurociência tem contribuído para a mudança de comportamentos e para novas formas de olharmos para nós mesmos?

 

Muitos conselhos eficazes sobre a mudança efetiva de comportamento ainda vem da Psicologia, mas as pessoas mostram-se mais interessadas e atentas quando a informação é explicada tendo por base a neurociência e isso será de notar.

 

  1. Numa era de tanta informação e tantas teorias pode tornar-se um verdadeiro desafio distinguir a informação fidedigna e científica. Considera que esta panóplia de informação pode prejudicar uma mudança eficaz de comportamento e de atitudes?

 

Na maioria dos casos, as ideias mais atrativas não são as mais fidedignas cientificamente. E isso constitui, sem dúvida, um grande desafio para escritores científicos por todo o mundo.

 

  1. Continua a existir uma tendência de criar-se crianças e dirigirmo-nos a adultos com uma mentalidade baseada numa visão de características que podem ser corrigidas (“Se perderes peso serás uma pessoa focada”, “Se fores promovido significa que és inteligente”) ao invés de promover uma perspetiva mais flexível de características que podem crescer e ser desenvolvidas. Na sua opinião, qual a maior implicação de fenómeno?

 

Uma mentalidade rígida nega-nos a oportunidade de crescer e mudar, especialmente no que diz respeito às crianças. É por isso, tão importante, uma perspetiva mais flexível e adaptativa de desenvolvimento, em que as diversas características surgem numa lógica de espetro contínuo.

 

 

  1. Na sua opinião Sandra, o que dificulta as pessoas em passar da teoria à ação? Quando se tornam tão evidentes os múltiplos benefícios do Mindfulness, por exemplo, denota-se um enorme entusiasmo acompanhado por uma certa inércia (“deve fazer bem mas não sei por onde começar”). O que aconselha como primeiros passos em direção a uma postura mais Mindful no dia-a-dia?

 

O poder do hábito é uma barreira relevante na mudança de comportamentos. Cerca de metade das nossas ações constituem hábitos – especialmente atividades que fazemos todos os dias como comer e mexermo-nos. A melhor forma de alterarmos um comportamento menos saudável é construirmos um novo hábito, mas muitas vezes subestimamos o número de semanas que este processo leva. Recomendo que se comece por um período pequeno de meditação, 5 a 15 minutos, todos os dias durante pelo menos três meses. Uma vez implementado o hábito diário de meditar, é relativamente simples ampliar o tempo a que nos dedicamos a ele. Outra abordagem é escolher uma ação de rotina, como abrir uma porta, e prestar atenção aos detalhes de como o nosso corpo de sente sempre que realiza essa ação.

 

  1. Uma rede neuronal sensível à leptina e a outros sinais de estado de energia que se estende do hipotálamo à medula caudal, foi identificada como sendo um sistema de controlo homeostático para a regulação da ingestão alimentar e balanço energético. Embora este sistema seja muito poderoso na defesa de baixos níveis de adiposidade, revela-se fraco na redução do apetite num mundo de abundância.

Considera que a identificação de ligações neuronais que medeiam a dominância de processos córtico-límbicos sobre circuitos de regulação homeostática serão relevantes no desenvolvimento de estratégias comportamentais e de terapias farmacológicas na luta contra a obesidade?

 

O problema de se tentar modificar o sistema de regulação de ingestão alimentar do cérebro é que é extraordinariamente complexo e redundante. Quando se ajusta um sistema cerebral, outro muitas vezes passa a assegurar a sua função, o que nos deixa envolvidos numa tarefa sem fim à vista. De muitas maneiras, suspeito que será mais fácil mudar o ambiente alimentar do que mudar os nossos cérebros.  

 

  1. Nos últimos anos, com toda a informação fornecida pelas neurociências acerca do comportamento alimentar e dos processos de controlo de peso, a intervenção de médicos, nutricionistas e psicólogos clínicos tem de se ajustar rapidamente para promover intervenções mais eficazes em detrimento de estratégias que se sabe hoje em dia não serem úteis, pelo contrário, constituírem muitas vezes um risco. Sente que este esforço de atualização e adaptação de intervenções está a ser feito internacionalmente?

 

Considero que não está a ser dada a devida atenção à necessidade que existe de se encontrar novas formas de intervir em todo o mundo. Diversa medicação tem-se revelado muito desapontante até agora, gerando uma perda de peso média entre dois a quatro Kgs, que tendencialmente são recuperados quando as pessoas interrompem a medicação. Na minha opinião, acredito que a chave da eficácia das intervenções comportamentais é começar cedo na prevenção de ganho de peso ao invés de se investir mais na perda de peso já instalada. Ainda assim a maior parte dos investimentos e esforços são ainda focados na promoção de perda de peso e não na prevenção de ganho de peso a mais.

 

 

 

 

  1. Neste combate global à obesidade, quais são na sua opinião os próximos passos fundamentais? E qual prevê que possa ser a maior contribuição da área de neurociências?

 

Neste momento já se conhece uma intervenção (leptina) que reduz os esforços do cérebro para promover a recuperação depois de uma perda de peso substancial, mas não é elegível para aprovação regulamentar, uma vez que não causa perda de peso. Este exemplo mostra a necessidade de ampliar a nossa forma de pensar sobre a melhor maneira de abordar a obesidade a nível mundial.

 

  1. Partindo da sua experiência de vida e todo o conhecimento científico, se a Sandra pudesse dar apenas um ou dois conselhos essenciais para uma melhor saúde psicológica e para um bem-estar global superior, quais seriam?

 

Exercício físico diário e meditação seriam as minhas recomendações mais importantes.

 

Entrevista conduzida por Filipa Jardim Silva, Psicóloga Clínica