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Autor: Inês Mota

Ao longo do texto reflectirei em torno de temas com que me tenho deparado na prática clínica individual e terapia de casal e com os quais se debatem os recém casais da actualidade e que acabam por interferir negativamente nas dinâmicas conjugais.

Os recém casais dos nossos dias deparam-se com condicionantes esmagadoras: a crise económica pode colocá-los perante abismos, ou perante becos sem saída.

Sem a possibilidade financeira que possibilite uma emancipação, há famílias que se vêem forçadas a viver em co-habitação. Esta configuração trará necessariamente impactos e acomodações em todos os subsistemas: no dos pais de um dos membros do casal e no próprio casal, e levanta necessariamente questões que versam sobre dependência e autonomia.

O conflito autonomia e dependência não é um tema dos nossos dias, é um tema de sempre. É um tema necessariamente emergente na passagem para a idade adulta e um tema transversal a muitos casais e um tema muito significativo e muito abordado do ponto de vista da terapia de casal.

Não obstante e sem a necessidade de nos focarmos na configuração extrema expressa anteriormente muitos recém-casais nos dias de hoje debatem-se naturalmente com os mesmos temas e conflitos com as famílias de origem, mas de uma forma diferente.

Voltando então à crise económica e porque a mesma imprime um cunho distintivo nesta temática, muitos dos recém adultos, jovens tardios e mesmo adultos de hoje são colocados perante o dilema de para se juntarem assumindo um “movimento de autonomia” ao adquirirem um espaço próprio para o efeito (comprando casa) estejam necessariamente “dependentes” da ajuda dos pais.

Não obstante, o dilema configurado acaba por não ter tanto a ver com o facto dos pais ajudarem os filhos, mas mais a ver como esta ajuda específica é recebida e regulada na relação entre filhos e pais, neste movimento dos filhos afirmarem o seu movimento de autonomia e não perpetuarem o movimento de dependência face aos pais e acaba por ter também a ver com a forma como o casal define a permeabilidade das suas fronteiras face à entrada e permanência dos sogros na esfera do casal.

O que torna mais difícil os movimentos referidos prende-se com o facto de muitos dos adultos de hoje terem sido educados em ambientes de maior permissividade de acordo com as mudanças sociológicas que influenciaram as práticas parentais. Estes recém-adultos, hoje jovens até mais tarde, e actualmente membros dos recém casais embora tenham desenvolvido narrativas de autonomia podem não se ter diferenciado verdadeiramente das suas famílias de origem.

Esta “imaturidade” co-ocorrente num contexto de ajuda financeira, precipita mais facilmente conflitos com as famílias de ambos os parceiros e sobretudo conflitos no casal entre si, para os jovens casais que mantêm fortes laços de dependência emocional sem diferenciação, em relação às famílias de origem.

Assim a atualidade coloca eventualmente a emergência destas crises, quando “se compra casa”e cabe a cada um dos membros individualmente uma tarefa mais interna, a da diferenciação, que passa pelo assumir o caminho não totalmente percorrido de reconhecimento e afirmação da forma individual de se pensar e sentir distinguindo-a da forma de pensar e sentir dos outros sendo capaz de as manter em situações de conflito.

Cabe ainda ao casal e a cada um dos membros individualmente perante as crises que a “compra de casa” pode despoletar, o movimento de atender simultaneamente à dimensão relacional, a forma como fortificam o espaço relacional e não como se viram um contra o outro ou contra os pais do outro.

Assim quem casa quer casa, sendo que se é verdade que os pais podem ajudar a comprar a “casa externa” quem precisa adquirir primeiramente a “casa interna” é cada um dos membros do casal, num processo de crescimento emocional individual, paralelamente à fortificação do espaço relacional.

Para os casais que se identifiquem com esta travessia, saibam que a terapia de casal ou individual de acordo com a natureza das questões, é um recurso a que podem recorrer, para melhor viverem a “sua casa”.