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Cláudia D. Rodrigues

Cláudia D. Rodrigues

Se sobreviveu às dificuldades anteriores, vai com certeza poder vir a perceber algo mais além dessa experiência difícil. Para concluirmos esta curta viagem psicoterapêutica, relembro-lhe o convite que temos vindo a abraçar desde o início:

Fiquemos um pouco com algo difícil.

No momento em que se confronta com a impossibilidade de agir ou pensar diferente do seu habitual, pode perceber que está a viver mais uma experiência de obstáculo ou impedimento na sua vida. Um misto de impossibilidade da acção pessoal, e impossibilidade facultada pelo que lhe é alheio à vontade. Vamos dificultar um pouco mais. Imagine um daqueles pesos impossíveis de levantar. Por vezes, são pesos que já duram desde sempre, como o “peso de uma vida”. Estes são impossível de levantar de uma vez só, e também impossível de deitar fora como se faria se fosse um mero empecilho.

Perante uma experiência destas, começa a ficar inquieto(a), ou então petrificado, ou mesmo indiferente: diferentes reacções são possíveis (observe-se a partir de “dentro”, e veja qual é a sua). Contudo, a experiência de impossibilidade confronta-nos com outro aspecto que precisamos dar atenção: o hábito de funcionamento e de acção. E com este hábito deparamo-nos com uma resistência à mudança, ao diferente do que conhecemos, e ao desconhecido.

A esta altura da nossa observação podemos já avistar: (1) O problema/ impedimento/dificuldade; (2) O hábito; e (3) A resistência à mudança. Dependendo da dimensão do impedimento/dificuldade vivida, e da importância que lhe atribui, podem ainda surgir visíveis outros aspectos da sua experiência pessoal: (4) A curiosidade e vontade de explorar além do hábito e da resistência; e (5) A coragem de ficar um pouco com a angústia do primeiro momento da experiência (o impedimento/dificuldade), e tudo o que surge com ela de desconhecido, vago, ou ligado a experiências difíceis anteriores.

Neste momento – e,se tiver sorte, na companhia de um psicoterapeuta experiente –tem aqui a oportunidade de voltar a viver um momento difícil, contudo, desta vez, acompanhado de alguém que o pode ajudar nessa experiência. Em situações difíceis, é melhor se esse alguém for habilitado para o fazer terapeuticamente, i.e. não basta reviver a experiência difícil, é sobretudo necessário fazê-lo de forma “reparadora” ou “fortalecedora”, relativamente às suas experiências anteriores. Para simplesmente reviver, sem propósitos terapêuticos, mais vale não o fazer (!), pois nessas situações pode apenas resultar em retraumatizações.

Terapeuticamente significa, não só viver (ou reviver) a situação, não só falar sobre ela, não só escutar as suas próprias palavras. Significa encontrar os momentos mais apropriados para refletir sobre essa experiência difícil, para perceber a existência de outras experiências suas relacionadas, para encontrar as suas necessidades próprias e os seus significados. Para tudo isto, vai com certeza, precisar de fôlego e de, para isso, oferecer-se algum tempo para si. Só pode ter fôlego fazendo pausas. Pausas no seu discurso, ou nas suas acções, para se poder escutar e observar melhor. Vai também precisar de cultivara atenção e o respeito por si próprio, perceber alguma curiosidade, alguma coragem para arriscar ficar/estar onde está por um pouco, ousar ser tal como “É” por alguns momentos, com honestidade e transparência. Vai precisar de algum bom senso, de alguma confiança, e de vontade para (re)aprender a estar consigo (e depois talvez com alguns outros), entre tantas outras coisas.

Parece muito? Talvez. E não se esgotam aqui, nem as exigências, nem os possíveis ganhos desta experiência que pretende ser terapêutica. Mas, como disse anteriormente, tratar de si psicoterapeuticamente (tal como cuidar das suas relações com outros de forma psicoterapêutica)é algo que se aprende. E para aprender, basta viver a experiência, tal como na vida em geral: aprende-se sendo e fazendo. Em Psicoterapia, além da sorte que se pode ter no tipo de terapeuta que encontrou, “querer” é a sua palavra mágica (ou se preferir, aquilo que lhe indica a sua liberdade, para se decidir a experimentar diferente, melhor, ou mais autentica e aprofundadamente). “Querer” é um dos seus indicadores de liberdade pessoal, pois, é inerente à condição de qualquer ser humano a capacidade para a sua auto-atualização, i.e. para procurar o seu re-equilíbrio em diferentes momentos, para se inspirar e orientar segundo a sua força de vida mais própria, auto-dirigida, a sua sabedoria pessoal.

E chegamos deste modo a um outro início, “querer” (como motivação ou necessidade) deve ser o começo. Com ajuda daquele(a) que pode comprometer-se consigo psicoterapeuticamente,a “vontade de poder pessoal” (na expressão de Nietzche), deve encontrar em tempos difíceis, o suporte relacional digno da sua confiança, e a ajuda segura que precisa para enfrentar aquele determinado momento difícil.Partindo de si, começa não só a sua vontade, como também a sua decisão, e a sua liberdade de existir tal como “É”. Na continuidade do que anteriormente já foi dito, o começo de algo terapêutico costuma, só por si, trazer alívio. A partir daí, pode ser uma nova (ou renovada) experiência para a vida.