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Autor: Vanessa Damásio

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

Isto, Fernando Pessoa

Já Fernando Pessoa, tal como muitos dos nossos pacientes, sentia uma dor de pensar, e pensava para não sentir.

A dor está no sentir ou no pensar?

A resposta à pergunta é apenas: só dói pensar porque dói sentir.

Por vezes pensar dói, mas parece que dói ainda mais sentir, e busca-se na razão e nos pensamentos uma forma de afastar os sentimentos, a imaginação e os sonhos.

A poesia de Pessoa revela a sua solidão interior, a angústia de não saber quem é e qual a razão da sua existência, as suas interrogações filosóficas e as suas inquietações. Tal como Pessoa, chegam a consulta muitos pacientes com uma grande solidão e angústia, que buscam na racionalização respostas para os seus problemas, tentando fugir à dor do sentir.

Revela-se esta dor pois o pensamento traz assim à memória todas as angústias e frustrações. O problema com que se deparam é que quanto mais pensam, mais sofrem e mais se dão conta das emoções que apertam o coração e a mente.

A mente traz a razão, a informação e o conhecimento, e com isto vem a consciência da realidade, das coisas boas e más, das dificuldades e das soluções, do que se controla e não se controla e assim vão crescendo cada vez mais preocupações, obsessões…

Existem assim várias perturbações mentais que se podem desenvolver com base na dor de pensar: ansiedade extrema que se converte em obsessões; sofrimento que se fragmenta em múltiplos pesadelos, sonhos que se transformam em alucinações, ou até depressões que se afundam numa dor emocional e inclusivamente física.

Mas os bons pensamentos trazem boas emoções, trazem alegria e sanam a dor. Os bons pensamentos constroem-se, aprendem-se, vivem-se e partilham-se, e vão-se multiplicando a cada experiência e relação positiva, tal como é a relação terapêutica.

No fundo, o pensamento não vive sem a emoção e a emoção não vive sem o pensamento. Em terapia trabalham-se os dois, de mãos dadas e em simultâneo. Quando evitamos um deles, o outro revela-se ainda mais intensamente.

A solução talvez seja: sentir o pensar e pensar o sentir!