Casais que não têm relações sexuais

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Casais que não têm sexo

Falar de casais que não mantêm relações sexuais ainda hoje é um tabu. Tudo o resto é abordado – BDSM, relações sexuais plurais, relações poliamorosas, relações abertas -, menos as relações onde os/as conjugues não mantêm relações sexuais. E quando este tema é discutido, assume-se à partida que é um problema.

Ao longo do tempo, o sexo tem sido romantizado, sobretudo para as  mulheres. Mas a verdade é que sexo e desejo sexual não são o mesmo que intimidade emocional. É possível existir intimidade sem sexo e vice-versa. O desejo sexual é uma etapa fundamental para uma resposta sexual adequada. O desejo sexual é de difícil definição, mas pode resumir-se como o impulso que nos catapulta para a experiência sexual. Envolve fantasia e novidade. O amor é mais complexo, tanto do ponto de vista biológico como psicológico, e envolve segurança e companheirismo.


1. Se partirmos deste ponto, é possível conceber que existam casais que estabelecem um grande vínculo afetivo, mas deixaram, ou nunca tiveram, desejo de manter relações sexuais. O celibato envolve comunicação e negociação, para tomar uma atitude consciente que promova o bem-estar do casal. Por outro lado, há que pensar no significado de sexo, que certamente não é o mesmo para todos/as. Para alguns casais ter sexo uma vez por mês pode ser muito e para outros ser demasiado. E o que é o sexo? Só quando há coito? Ou os preliminares também contam? Novamente: é preciso ter sempre em conta os parâmetros de bem-estar de cada casal.

Também não nos podemos esquecer que em alguns casais um ou ambos/as os/as conjugues identificam-se como assexuais. Segundo a Assexuality Network, a assexualidade define-se como “pessoas que não sentem atração sexual. Ao contrário do celibato, em que há uma escolha por parte da pessoa, a assexualidade assume um caráter identitário.” Neste caso, a ausência de relações sexuais deve-se à orientação de um ou ambos os membros do casal. Se um dos membros não se identificar como assexual, existirão maneiras de encontrar uma solução de compromisso, como, por exemplo, abrir a relação a terceiros. Novamente, o truque é encontrar respostas para estas duas questões: “Ambos os membros do casal estão felizes?”, e se a resposta for negativa “Em que esferas da vida do casal é necessário intervir para que tal aconteça?”.

Ainda assim, independentemente de estarem felizes (ou resignados/as) o certo é que existem casais que não têm relações sexuais, embora não existam estudos na população portuguesa que nos indiquem a sua prevalência.


2. Outra realidade é quando um dos membros deixou de ter desejo sexual ou existem discrepâncias a este nível. Nestes casos, pode ocorrer perturbação do desejo sexual tanto em homens como mulheres. A perturbação de desejo pode ser devida a causas orgânicas e/ou psicológicas. As variáveis psicológicas mais referidas são a sintomatologia ansiosa e depressiva, dificuldades relacionais, relutância em entregar-se a uma relação de compromisso, valores morais mais conservadores ou insatisfação relativamente ao/à parceiro/a e/ou atividade sexual, preocupação em ter um bom desempenho sexual ou stress imposto pela rotina diária.

Ainda são as mulheres que relatam maiores dificuldades a nível do desejo sexual. Embora se saiba que os homens têm maior dificuldade em assumir a perturbação do desejo, o certo que esta primeira fase da resposta sexual funciona de modo diferente para homens e mulheres. Os mecanismos neurofisiológicos são semelhantes, mas nos homens é muito mais facilmente estimulado na presença de um estímulo erótico. A própria vivência da excitação é diferente, e mais externalizada através da ereção peniana. Com as mulheres, o desejo tem matizes diferentes: é possível ter relações sem desejo sexual. Muitas vezes surge após o inicio da relação sexual, ou nem surge, mesmo que ocorra excitação, representada pela lubrificação vaginal e pela ereção clitoriana. A excitação da mulher é também menos genital e mais contextual. Tanto a excitação como o desejo dependem mais da segurança, da fantasia, da qualidade da relação e do bem-estar da mulher. Daqui decorre que os homens sejam mais capazes de separar o sexo da intimidade relacional, o que não é dissociado  da educação sexual diferenciada para géneros que a sociedade ainda perpetua. Por tudo isto, é muito comum que os casais não tenham relações devido à falta de desejo de um membro, e no caso das relações monogâmicas heterossexuais ainda é quase sempre a mulher.  Nestas situações há que diminuir a ansiedade do casal, devolver a carga erótica da relação e introduzir a novidade e a descoberta em relações que muitas vezes já estão sufocadas por uma rotina diária.



Sexologia Clínica


3. Estas situações de falta de desejo são transversais a todas as idades, embora surjam mais, pelo menos em contexto clínico, em idades mais jovens. Talvez porque infelizmente não se valoriza tanto a sexualidade de pessoas mais velhas. Em relação à menopausa os estudos são contraditórios: embora se saiba que o decréscimo hormonal implique pior funcionamento sexual, o certo é que a satisfação sexual em mulheres desta faixa etária depende muito mais da qualidade da relação do que variáveis orgânicas.

O envolvimento de terceiras pessoas pode ser uma solução, como já foi referido anteriormente. É uma realidade cada vez mais comum e pode decorrer de um entendimento  entre ambos os membros de que têm necessidades sexuais diferentes, e que, ao separar a componente sexual da afetiva, poderão satisfazê-las com outras pessoas. Este processo não é linear, já que nem sempre é fácil separar as águas, e o que no inicio se julgava ser possível fazer nem sempre acontece na realidade.

A terapia sexual, a par da terapia de casal, pode ajudar no sentido de guiar o casal rumo a um pacto que lhes proporcione maior bem-estar. Explicar a diferença entre sexo e intimidade é essencial durante este processo.

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Rita Torres
Rita TorresPsicóloga Clínica
2018-12-30T01:27:22+00:006 de Dezembro, 2017|
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