O medo é uma reação fundamental, profundamente conectada, desenvolvida ao longo da história da biologia, para proteger os organismos contra a ameaça percebida à sua integridade ou existência. O medo pode ser tão simples quanto o estremecimento de uma antena num caracol quando é tocada, ou tão complexo quanto a ansiedade existencial num ser humano.
Pensando nos circuitos do cérebro e na psicologia humana, algumas das principais substâncias químicas que contribuem para a resposta de “luta ou fuga” também estão envolvidas noutros estados emocionais, como felicidade e excitação. Portanto, faz sentido que o estado de alta excitação que experimentamos durante um susto também possa ser experienciado de uma forma mais positiva. Mas o que faz a diferença entre fazer uma “corrida” e sentir-se completamente aterrorizado?
A reação de medo começa no cérebro e espalha-se pelo corpo para fazer ajustes para a melhor defesa ou reação de fuga. A resposta ao medo começa numa região do cérebro chamada amígdala. Este conjunto de núcleos em forma de amêndoa no lobo temporal do cérebro é dedicado a detectar a saliência emocional dos estímulos.
Por exemplo, um estímulo de ameaça, como a visão de um predador, desencadeia uma resposta de medo na amígdala, que activa áreas envolvidas na preparação para funções motoras na luta ou fuga. Também desencadeia a libertação de hormonas do stress e do sistema nervoso simpático. Tudo isto leva a mudanças corporais que nos preparam para sermos mais eficientes numa situação de perigo.
No passado mês de Março, surgiu uma investigação que se junta a outras que nos vêm apontando novos caminhos do medo no nosso cérebro.
A professora de psicologia e neurociência Wen Li, juntamente com membros do seu Laboratório de Neurociência Cognitiva Afetiva, foram capazes de identificar um trato diferente no cérebro, roteado através do córtex sensorial humano, onde as informações do nosso ambiente são analisadas pela primeira vez.
Esta investigação revela um novo caminho para o medo e para a memória do medo. Assim, estas descobertas podem levar a uma mudança crítica de paradigma na forma como concebemos e acabamos por tratar perturbações do medo, como perturbação de stress pós-traumático e ansiedade.
A pesquisa foi realizada na Universidade do Estado da Florida, onde a equipa utilizou um método de condicionamento aversivo, o qual combina cheiros neutros com imagens e sons repugnantes. A equipa também avaliou a memória de ameaças de longo prazo, ocorrendo ao longo de vários dias.
Estavam à espera de encontrar evidências neurais que apoiassem a memória de ameaças de longo prazo no córtex olfativo no início desta pesquisa. O que surpreendeu a investigadora foi que a memória de ameaças de longo prazo no córtex olfativo pôde assumir muitas formas e estes diferentes mecanismos neurais estavam todos consistentemente a hiperfuncionar na ansiedade.
Por fim, a equipa descobriu que o córtex sensorial humano, e não a amígdala, é responsável por armazenar as nossas memórias de eventos assustadores do passado. Os resultados entre os indivíduos com ansiedade destacam o facto de que, aqueles diagnosticados com esta perturbação podem percepcionar as ameaças de forma diferente e serem impactados pelo medo por mais tempo do que outros indivíduos.
Esta pesquisa revela uma visão mecanicista de como a memória de ameaças se forma e é armazenada no nosso córtex sensorial. Saber que, por sua vez, esta memória de ameaça é hiperativa na ansiedade, ajuda-nos a perceber a forma como as pessoas com perturbações de ansiedade percepcionam as ameaças e memórias maladaptativas.
Assim, a investigação desta equipa tem o potencial de mudar drasticamente a nossa compreensão de como o medo e as perturbações do medo surgem e persistem. Esta nova descoberta aponta ainda para novos alvos terapêuticos, que podem apresentar novas opções para o tratamento das perturbações da ansiedade.
Fontes:
Yuqi You, Lucas R. Novak, Kevin J. Clancy, Wen Li. “Pattern Differentiation and Tuning Shift in Human Sensory Cortex Underlie Long-Term Threat Memory.” Current Biology (First published: March 23, 2022) DOI: 10.1016/j.cub.2022.02.076
Yuqi You, Joshua Brown and Wen Li. “Human Sensory Cortex Contributes to the Long-Term Storage of Aversive Conditioning.” Journal of Neuroscience (First published: April 07, 2021) DOI: 10.1523/JNEUROSCI.2325-20.2021
Qual foi o interesse que este artigo teve para si?
Perceber que o medo pode ser direcionado com várias técnicas e não, que é uma situação longa ou permanente, é muito importante.
Como lidar com a baixa tolerância à frustração
Como lidar com a baixa tolerância à frustração A frustração é uma reacção emocional [...]
Dá por si a ter mais fome quando está em casa?
Durante estes tempos em que estamos confinados a casa, com certeza que existem mais [...]
O que fazer para cuidar da saúde mental em tempos de quarentena
O nosso dia-a-dia mudou há semanas atrás. Ao vermos as notícias, percebemos como é [...]