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Autor: Francisco de Soure

O dia 1 de Novembro já foi feriado. Agora há quem festeje o Halloween, na véspera, 31 de Outubro, ao mascarar-se e aterrorizando em volta. Mas para mascarado e aterrorizado já me basta o Carnaval! Antigamente, chamava-se Dia de Todos os Santos. Independentemente da orientação religiosa de cada um, existia (e sei que, em alguns sítios, existe ainda) uma tradição que fazia as minhas delícias na infância: o pão por Deus. Quem, como eu, cresceu numa cidade pequena ou bairro tradicional, quase decerto teve esta experiência. No dia 1 de Novembro, bem cedinho (para apanharmos os melhores brindes!) saíamos de casa de saquinho de pano na mão. Pequeninos ou grandes, percorríamos o bairro a pé. Pelo caminho, parávamos em cada casa, tocávamos à campainha e anunciávamos alegres “Pão por Deus!”. Seguia-se o momento de antecipação gulosa: “será que vai abrir a porta?”, “será que tem coisas boas? ou será que nos vão dar castanhas outra vez?”. Com um bocadinho de sorte, recebíamos uma mão-cheia de figos secos, moedas de 25 tostões, caramelos de fruta da Penha, ou aqueles rebuçados espectaculares com recheio cremoso. De porta em porta fazíamos uma manhã de recolha, e voltávamos para casa de saco cheio e água na boca, desejosos de provar as iguarias sortidas que recolhêramos! Hoje parece impensável deixar uma criança pequena andar sozinha na rua, a tocar à porta de estranhos, e a comer doces dados por pessoas que se desconheciam por completo! A origem do ritual é mais funesta que a inocência da sua prática possa supor: a recolha de alimentos destinava-se originalmente a ser colocada junto dos defuntos no Dia de Finados, a 2 de Novembro.

Mas não é de guloseimas nem de defuntos que trata este texto. Trata apenas e só de olhar para a prática de dar e pedir do dia. A 1 de Novembro, todos se dispunham a acordar cedo e dar um doce aos miúdos, mesmo que não os conhecessem de lado nenhum. E se não havia dinheiro para doces, havia fruta, frutos secos, ou uma qualquer graça. Havia, isso sim, uma disponibilidade para participar de um sentimento de comunidade, transportado no simples acto de dar. Actualmente não é feriado, verdade. Mas pode ser um bom dia para imaginar aqueles com quem nos cruzamos de saco de pano na mão, cara sardenta, cabelo desgrenhado e fita cola a unir as lentes de uns óculos partidos. E, no espírito do pão por Deus, fazer a experiência de espontaneamente dar algo que traga a alguém um sorriso. Pode ser uma guloseima, um elogio ou um abraço. Seja o que for, aqui lhe deixo o desafio de dedicar o seu dia a encher o seu saco de sorrisos. E depois, a partilhar connosco! Conte-nos aqui o que viu!