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Autor: Fabiana Andrade

Joana teve uma infância e adolescência saudáveis – uma família feliz, dois irmãos mais novos, os pais estão casados até hoje. E sempre sonhou, como muitas raparigas sonham, em casar e ter filhos.

Mas depois de completar 40 anos e de ter tido uma crise de choro inesperada e descontrolada no casamento de uma das suas melhores amigas, decidiu, depois de a mesma amiga insistir, procurar ajuda.

Joana conta então que chegou aos 40 anos e estava solteira. Sentia-se sem perspetiva de ter um namorado brevemente e a perder tempo para ter filhos no futuro. Uma das suas primeiras frases foi: Como cheguei aqui e nem me apercebi? A sensação era de que tinha chegado aos 40 e não se tinha dado conta. E agora sentia que talvez fosse tarde demais. Começava a sentir-se ansiosa, a comparar a sua vida com a de outras mulheres e a sentir um enorme vazio por dentro.

Tudo isso levou a que também passasse a esconder o que sentia, pois não queria sentir-se exposta. Então assumiu o papel de solteira e feliz. O problema é que não estava feliz.

Estar solteiro e feliz é uma posição saudável para qualquer um, mas esconder um estado de espírito, mentindo a si mesma e aos outros, foi altamente desgastante para a Joana, e o cansaço culminou na crise de choro no casamento da amiga.

Então o que aconteceu depois? Passadas poucas sessões conseguimos chegar a algumas conclusões e a principal foi a de que a Joana tinha um padrão relacional em que se auto boicotava constantemente, não conseguindo construir relações saudáveis e felizes.

Desde a adolescência teve alguns namoros mais sérios, de largos meses e por vezes até mesmo de alguns anos, e entre relações também teve alguns casos menos intensos. Nunca esteve nenhum período sozinha desde os seus 16 anos. Nunca tirou tempo para se conhecer em profundidade, por medo da solidão e do que poderia encontrar se se conhecesse melhor.

Nesta busca quase desenfreada por uma relação Joana escolhia homens que nunca iriam comprometer-se. Muitas vezes eles diziam isso mesmo. Mas, no fundo, na sua mente surgia sempre uma ideia: talvez ele me ache suficientemente importante para mudar. Assim ela acabava por insistir, por desculpar, por teimar e por vezes até mesmo a maltratar os companheiros, na tentativa desesperada de os tornar naquele homem com o qual se poderia casar, mas isso nunca acontecia. Sonhava acordada com o pedido de casamento, com o anel de noivado, com a barriga de grávida, mas no fundo nunca olhava para a realidade e para o que estava realmente a acontecer.

O auto boicote constante vinha de uma profunda falta de amor-próprio, e de uma crença oculta (mas que conseguimos revelar ao longo das sessões) de que com ela isso nunca poderia acontecer de verdade. Percebemos que a Joana teve uma infância feliz, mas marcada por uma adolescência em que era relativamente gordinha, tendo tido experiências de gozo por parte de colegas. Tal aconteceu numa idade extremamente sensível para a formação da sua autoimagem, e, mesmo sendo hoje uma mulher bonita e com peso normal, via-se ainda como aquela miúda gordinha e por isso com pouco interesse para o sexo oposto. Como nunca ficou sozinha e nunca olhou realmente para si, o tempo foi passando sem que tivesse consciência destas crenças e deste processo, e por isso nada fez para os mudar.

Ao longo da terapia confrontou-se com os seus fantasmas, sofreu, chorou mas também percebeu que tudo dependia de si, e que poderia perfeitamente ser amada por alguém se realmente acreditasse ser merecedora desse amor. Isso mudaria a forma de olhar para os homens, de os escolher e de os clarificar sobre o seu projeto de vida, passando a viver de forma consistente com os seus sonhos e não o contrário.

A Joana namora já há um ano com o Luís e está muito feliz. Tem 42 anos, ainda não se casou mas vive em união de facto, e pensa ter filhos em breve.

O auto boicote é uma das maiores razões para que as pessoas que me procuram no consultório não sejam felizes e não estejam a cumprir os seus ideais. Normalmente na base do boicote existe uma autoestima frágil e crenças negativas bastante enraizadas. A terapia permite um “lançar de luz” para estas partes escondidas para que fiquem acessíveis e passíveis de serem mudadas por nós mesmos.

Ser feliz pode ser um trabalho consciente!