Autor: Francisco Gonçalves Ferreira
Muitos dos casais que fazem um percurso de terapia conjugal confessam algum espanto e admiração por descobrirem que uma das maiores traições que uma pessoa pode sofrer numa relação afetiva é a traição de si próprio. Isto torna-se claro quando um dos elementos do casal revela ter tomado consciência do quanto abdicou de si próprio, comprometendo o sentimento de autenticidade relativamente a si, ao parceiro ou parceira e muitas vezes, consequentemente, aos próprios filhos.
É como se cada pessoa, no casal, encontrasse uma armadilha confortável onde aspectos incompletos da sua personalidade tentassem ser preenchidos ou protegidos pela personalidade do outro, acabando por substituir as relações autênticas por mecanismos recíprocos de proteção, cuja necessidade tinha vindo a acumular-se já bem antes da constituição do casal.
Uma grande parte destes casais passa bastantes anos durante os quais os respectivos elementos tentam não se revelarem um ao outro sobre a verdadeira “massa” de que são feitos, a fim de manter uma ilusão de unidade completa, sufocando consequentemente todas as verdadeiras ligações afectivas, com efeitos desastrosos ao nível da sexualidade. Na realidade, a insatisfação sexual, que é quase um brasão das relações conjugais fortemente deterioradas, raramente tem força suficiente para conduzir duas pessoas adultas a pedir ajuda ao exterior. Acaba por ser, muitas vezes, as divergências na educação dos filhos, o problema comportamental de um dos filhos ou os sintomas de ansiedade de um dos parceiros a conectar um casal com um sistema de ajuda.
Uma das funções da terapia familiar é precisamente a de facilitar a reapropriação de um sentido de competência para ser autentico e viver a própria identidade no seio da ebulição emocional que cada crise familiar ou conjugal comporta.
Devolver a identidade a cada um dos elementos do casal significa não raras vezes atravessar um processo doloroso de confronto com partes menos aceites e silenciadas de cada um, mas que só emersas podem reajustar as motivações autênticas e renovadas de um contrato a dois.