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Beach Cave“Então que tal as férias e o descanso?”

“Boas, claro. Mas sabem a pouco… Já estou a pensar quando terminam e tenho de voltar… E, também, já se sabe, com os miúdos, e até os meus sogros que vêm passar uma semana, não se pode dizer que eu descanse muito”

“Hummm…. Lembras-te de me ter dito que gostavas de saber um pouco sobre como podemos deixar o cérebro em modo de bem-estar?”

“Claro! Isso é que me dava um jeitão!”

“Bem, repara um pouco na resposta que me deste. Se tomares atenção, vês que, quando te perguntei pela tua avaliação sobre as férias, na resposta estiveste concentrada em tudo o que não é bom. O que o teu cérebro fez foi por-se à procura do negativo, e listou todos os aspectos que encontrou. E aposto que, se estivesses sozinha com os teus pensamentos, tinhas ido por aí fora e ficavas um bocado a aprofundar cada uma dessas razões…”

“Está bem, mas, e então? Não deixa de ser verdade o que eu disse”

“Pois não, e não te retiro razão nenhuma! Mas cada pedacinho de vida tem o bom e tem o mau – depende do ângulo para onde olharmos 🙂 A questão é que o nosso cérebro passou por uma longa história de selecção natural e foram sobrevivendo as “raças de cérebros” que melhor ganhavam os concursos do “deixa-me lá ver o que é que está mal””

“Ora essa! Mas isso não tem lógica nenhuma! Se estamos a falar de selecção natural, deveriam ter ganho os cérebros com maior capacidade de nos deixarem felizes!”

“A felicidade tem um valor de sobrevivência diminuto, infelizmente… Imagina um homem das cavernas, nosso antepassado remoto, em perfeito estado de auto-contentamento, deitado na floresta, ao sol agradável da Primavera, a ouvir os passarinhos, depois de uma rica refeição que caçou e ainda a recordar o orgulho e adrenalina da caça.”

“Essa parte parece-me simpática. Seria de pensar que os genes dele passariam para as próximas gerações”

“Pois, mas não. Porque enquanto ele está neste deleite de satisfação, aproxima-se um tigre que lhe vai chamar um rico almoço 🙂 E lá se acabam os genes de cérebros felizes e pachorrentos como legado às gerações futuras”

“Que tristeza!!!! Mas já há muitos anos que vivemos uma vida sem tigres à espera de nos comer. Já devíamos ter garantido cérebros tranquilos e optimistas”

“Tu não deves andar a ouvir noticiários, pois não? Nem a ler jornais, ou passear na internet. Nem a ouvir as conversas habituais do dia-a-dia… O mundo, pelo menos na aparência, pela globalização e disponibilidade de informação, é muito ameaçador. Andamos todos muito conscientes de que há muitas coisas más que podem acontecer… O que, bem vistas as coisas, é muito mais aterrorizador do que saber que os únicos perigos são tigres, ursos e cogumelos venenosos – pelo menos, dantes podíamos estar atentos e sempre sentíamos algum controlo sobre a situação; e a sensação de controlo é algo de muito calmante!”

“Bom, OK, percebido. O cérebro tornou-se rezingão e um velho do Restelo para nos dar uma vantagem competitiva na vida. Mas, nesse caso, estamos condenados a estar sempre a ver tudo negro?”

“Isso é que seria mesmo muito mau! Felizmente, o cérebro humano também tem a capacidade espantosa de se observar a ele mesmo. Repara: tu podes estar a pensar e, ao mesmo tempo, estares a observar-te a pensar; e podes, mesmo, reflectir sobre o que estás a pensar e reflectir sobre o facto de estares a reflectir sobre o que pensas :D”

“Tudo isso sem ter ficado maluquinha, certo? LOL”

“Tudo isso é uma capacidade inata do ser humano – pode é estar mais o menos treinada. Esta capacidade é do mais fascinante da nossa actividade interna! E é muito prático, quando queremos exercer a nossa liberdade de escolha em relação ao funcionamento por defeito que o cérebro tem”

“Estás a dizer-me que, se eu estiver com atenção, posso perceber que o meu cérebro está em “modo de sobrevivência” e posso fazer qualquer coisa para o fazer mudar de canal?”

“Isso! Vamos prestando atenção à nossa conversa interna e, quando percebemos que é todo um discurso alarmista, negativista, cheio de cenários pessimistas, podemos exercer a nossa capacidade de pensar sobre o que estamos a pensar e avaliar a razoabilidade desses pensamentos – olhar em volta, avaliar as situações na sua globalidade, avaliar os riscos reais, e tomar decisões em relação ao passo seguinte. E encontrar o que, nas mesmas situações que estamos a ver em negro, também corresponde ao seu lado “branco” – só excepcionalmente os eventos são totalmente negativos, e é bom encontrarmos uma avaliação enriquecida e equilibrada com as duas perspectivas”

“Parece-me que é qualquer coisa que terá de ser feita todos os dias”

“Digamos que é uma prática de higiene mental. Estamos todos muito habituados a ter rotinas de higiene corporal e esquecemo-nos que também temos de manter o cérebro limpinho :))))”

“No próximo duche, já não me esqueço! Cérebro a brilhar também!”

“Então aproveita e lembra-te de fazer mais uma coisa. Está demonstrado, sem margem para dúvidas, que os caminhos internos que seguimos resultam reforçados e tornam-se, mesmo, automáticos”

“Mas o que é que isso quer dizer???”

“Imagina que dás por ti a ruminar, com frequência, sobre alguém que te irrita ou de quem não gostas, mas com quem tens de lidar numa base diária. Os chefes costumam ser óptimos alvos para isto :)”

“Ui, tocaste num ponto que dói!”

“Dói-nos a todos – chefe, vizinhos, colegas… Há sempre alguém que nos faz comichão ao fígado :). Neste nosso exemplo, a prática regular de ruminação negativa, ou seja, permitirmo-nos ficar entretidos a pensar em tudo o que ele ou ela nos fez ou faz, e em tudo o que nele ou nela não gostamos, tem por único efeito prático, automatizar o estado emocional negativo – irritação, zanga, etc – que surge ao pensarmos nessa pessoa”

“Então é uma boa ideia não fazermos o gostinho ao cérebro e, quando ele sai disparado numa das suas irritações de estimação, nós pararmos, certo? E paramos como?”

“Pois, parar não é bem uma função com que o cérebro venha equipado de série… Ou, por outra, ele até para, mas a isso chama-se morte cerebral – não é algo que alguém queira que o seu cérebro faça, verdade? O que nós podemos fazer é oferecer ao cérebro alguma coisa alternativa com que se entreter. Uma distracção, se quiseres. Ou seja, o cérebro está sempre a trabalhar em milhares de coisas em simultâneo; quando resolve trabalhar numa que nós percebemos que é inútil e só vai ter maus resultados, o melhor mesmo é encontrar alguma outra coisa para que ele substitua o tema por outro – seja uma tarefa de trabalho, seja de lazer, é importante mudar-lhe o objecto da sua atenção. Imagina uma criança com fome e que lança mão às bolachas de chocolate porque é o que vê primeiro; a ideia não é tirar-lhe as bolachas de chocolate, porque ela vai continuar com fome; a ideia é retirá-las e substituir por alimentação nutritiva. É a substituição que é o acto fundamental.”

“Certo! Substituir o inútil e que só gera emoções negativas, por aquilo que é útil e gerador de bem-estar!”

“E já agora, trabalhar diariamente para compensar a tendência natural que o cérebro tem de fazer listas negativas: tudo o que me correu mal na vida, tudo o que eu não gosto nisto, tudo o que pode correr mal naquilo, tudo o que demonstra uma expectativa negativa,…”

“Como eu fiz há bocado, a propósito das férias?”

“Isso! É uma questão de treino, só isso!”

“Não parece nada de muito complicado…”

“Pois não. Mas não te iludas – são as coisas mais simples que resultam nas mais complicadas 🙂 Filosofias à parte, nada disto é uma receita segura de felicidade duradoura! São apenas pequenos actos que convém englobar nas nossas rotinas diárias, para não nos irmos afogando em mal-estar, à medida que a vida corre. E há muito mais além destas pequenas dicas. E exige prática! Por isso, vamos lá voltar ao princípio: Então que tal as férias e o descanso?”

“Estão a saber-me lindamente! Ando a tentar aproveitar cada bocadinho bom, tenho desacelerado e tentado aproveitar ao máximo o facto de ter tempo para a família. E os mergulhos na praia vão-me ficar gravados na memória para me consolarem o Inverno!”

“Ah! Bom! Assim já vale a pena estar de férias! :)”

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