Autor: Lúcia Bragança Paulino
Num tempo em que o trabalho feminino surge como forma de afirmação pessoal, de sociabilidade e de resistência à dominação masculina, é importante discutir temas como a crescente competitividade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, uma também crescente individualização para os dois sexos, bem como a adaptabilidade da instituição família perante estas alterações. Esta reflexão vem assim de encontro às questões da família e das transformações sociais do último século tão presentes no nosso dia-a-dia.
Nas questões relativas à “natureza” da mulher surgem na história noções de que as mulheres desempenhariam papéis passivos e os homens teriam a preponderância nos papéis ativos. No entanto, quando hoje pensamos na imagem de uma mulher “passiva, obediente, dedicada aos seus filhos e ao lar”, esta está associada a uma imagem quase de “escravidão”. A maternidade e a dedicação aos filhos é um dos fatores que leva à associação de que a mulher se dedique menos a outras tarefas. Há assim um forte contributo de fatores inconscientes de socialização e culturalização no reconhecimento do masculino e do feminino.
Ainda há poucos anos era raro assistir à difícil tomada de decisão, por parte das mulheres, entre uma carreira profissionalizante e a família. Eram poucas as mulheres que abdicavam de uma vida doméstica a cuidar dos filhos, sofrendo sempre muitas pressões e imposições pelos estereótipos de género. No entanto, com o passar dos tempos e com as mudanças que a própria sociedade vive, a atividade profissional é valorizada pelas mulheres por várias razões: o maior poder que lhes é atribuído na relação conjugal perante o companheiro, bem como o reconhecimento de competências específicas antes desvalorizadas no universo feminino, ou ainda a recusa no fechamento doméstico com o intuito de desenvolver relações sociais.
A crescente individualização e independência financeira da mulher vem também atribuir-lhe algum protagonismo na tomada de decisão aquando de um divórcio.
De facto, no contexto da relação familiar atual, embora persistam assimetrias, o ambiente é mais democrático e a dominação masculina menos opressiva. No entanto, o não reconhecimento do peso da carga doméstica e a idêntica não valorização deste contributo, levaram a que vários movimentos feministas se formassem na luta pelos direitos da mulher.
Sob o impulso dos movimentos feministas dos anos 70’ pretendia-se exatamente acabar com a extrema dependência da mulher para o homem de um ponto de vista económico. Na existência de uma hierarquia social, a mulher estaria sempre colocada num ponto desvalorizado. O trabalho doméstico é um trabalho que não é pago, logo é desvalorizado pela sociedade. Assim, a proposta feminista veio no sentido do trabalho doméstico ser recompensado.
O feminismo conseguiu de facto resultados consideráveis no que respeita aos direitos das mulheres no plano legislativo em diversos países. Tal como já referimos, atualmente, são cada vez mais as mulheres que conseguem conciliar uma carreira com as responsabilidades familiares e o lazer. Os homens têm também cada vez mais a consciência da importância de estar em família, conjugando também eles cada vez mais a carreira, a família e os tempos livres. Mas isso não é ainda suficiente para impor uma divisão menos assimétrica das responsabilidades familiares nem mesmo para derrotar a desigualdade entre sexos no mercado de trabalho.
Quando pensamos na atividade feminina e na divisão dos cuidados com os filhos é impossível não pensarmos na questão de quem é que fica com as crianças quando ambos os pais estão a trabalhar. Normalmente as taxas de atividades das mães com filhos pequenos tendem a estar diretamente proporcionais a uma existência e qualidade na rede de equipamentos sócio-educativos públicos.
Quando os países carecem destes equipamentos são então mais frequentes as situações em que as mães estão em casa, interrompem a atividade laboral ou trabalham em part-time.
O caso de Portugal parece fugir a estas duas situações, pois embora sejam escassos os equipamentos apoiados pelo Estado, são mesmo os recursos exteriores à família os mais utilizados pelas famílias portuguesas. Assim, o recurso às creches, amas, infantários, jardins-de-infância, prolongamentos na escola, colégios ou centros de ATL são uma constante. Existe mesmo um esforço financeiro das famílias para assegurar a guarda das crianças. As consequências deste esforço financeiro, reproduzem-se posteriormente num esforço físico e culpabilização face às dificuldades em conciliar trabalho e vida familiar, e levam a que muitas mães portuguesas se sintam frustradas quanto ao desempenho do seu papel materno.
Há ainda um longo caminho a percorrer, sendo que, esta ambiciosa gestão igualitária entre família e carreira só traz benefícios para todos os intervenientes. Além do aumento da auto-estima e motivação para as mulheres e das excelentes oportunidades de se relacionarem com os filhos e de criarem laços fortes para os homens, as crianças são as que ganham mais ao poderem interagir em tempo de qualidade com ambos os progenitores/cuidadores, podendo estas tirar um enorme proveito quando esta gestão de tempo é equilibrada e simétrica.