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Autor: Rita Castanheira Alves

A Eva tem dois filhos, uma rapariga com dez anos e um menino de cinco. Senta-se, com a lágrima no canto do olho, embaraçada e sem saber como abordar o assunto. Baixa a cara, esfrega as mãos e fala baixinho:

“- Tenho um pensamento que não me larga sobre a forma como gosto dos meus filhos. Tenho vergonha, mas acho que gosto mais do meu filho que da minha filha. É errado, não é?”

As lágrimas escorrem e contam a culpa que a Eva sente por ter crescido com a expectativa de que o amor pelos filhos é incondicional. Mas não é.

“ – Com quantas mães falou sobre isso?”

De olhos muito abertos, com vergonha, diz prontamente:

“- Nenhuma, nenhuma. O que havia de ser…”

O que a Eva não sabe é que, como ela, há outras mães que pensam o mesmo e vivem assombradas por esse pensamento que não se controla, e que se todas pudessem saber que as outras também sentem ou já sentiram, a angústia de não ser algo “normal” aliviava, e era mais fácil viver com os filhos sem este pensamento que faz medir todas as acções.

“- Faço a ele e lembro-me logo de que tenho de fazer também à mais velha para que ela não perceba que gosto menos dela. Se dei um beijo ao pequeno, vou logo dar um beijo a ela. Tenho medo que isto a prejudique. Será que foi porque depois da gravidez não estive muito feliz?”

Será? Será? Será? A Eva sente-se exausta e mal consigo mesma, acha que é a única que sente desta forma, e a culpa cresce e começa a comandá-la nos actos para com os filhos, que antes eram tão espontâneos. É preciso parar.

A primeira reacção é ter vontade de abraçar estas mães que aparecem aterrorizadas com as partidas que os pensamentos, as expectativas, a cultura e a educação nos pregam, a todos nós. Primeiro precisam de um sorriso e de normalizar. Afinal, os filhos são pessoas, com características do pai, da mãe, mas também de outros significativos e com características deles mesmos.

É tão importante sossegar a Eva e as mães como a Eva, que se assustam com os próprios pensamentos, que se preocupam, que querem tão bem aos filhos, querem tanto que eles cresçam felizes e saudáveis que receiam não lhes dar todo o amor de que precisam. Isso é gostar, isso é amar.

A Eva relata e exemplifica, agora mais solta, o que não gosta na filha: alguns comportamentos, reacções egoístas, a falta de sentido de gratidão em algumas das suas atitudes. A Eva identifica objectivamente o que não gosta, alguns comportamentos e atitudes. Devagarinho substituímos o “não gosto da minha filha” por “não gosto de alguns comportamentos e atitudes da milha filha”. E parece tudo menos pesado. Permanece o medo de ser a única, de ter sentimentos que não deve ter, o peso de ser um amor que se deve ter como incondicional. Mas olhar para os filhos como pessoas faz-nos bem, a todas as mães Eva, a todos nós e aos filhos. Podemos ensinar-lhes o que é correcto e o que não é, o que é a gratidão, o ser genuíno e o ser honesto, o que é escolher como ser, melhorar e mudar. Afinal, tal como as mães, os filhos também são pessoas. Tal como as outras pessoas de quem gostamos, têm comportamentos de que gostamos mais e outros de que gostamos menos. A vantagem é que o amor que temos por eles nos faz despender todo o tempo do mundo a orientá-los, a ajudá-los a escolher como são e como querem ser.

Rita Castanheira Alves