O que fazer com a certeza de que não gostamos de lidar com a incerteza e com o ingrediente chave que permite ao ser humano reconstruir-se?
Se há uns meses me dissessem que um vírus iria provocar tudo o que por temos passado, eu iria rir e diria, com a (ingénua) segurança, que isso só acontece nos filmes! Daqueles filmes onde uma catástrofe assola a humanidade e a personagem principal tenta, lutando contra tudo e todos, salvá-la.
“Afinal vivemos no século XXI” afirmamos com alguma superioridade, de quem acha que o desenvolvimento da tecnologia em todas as áreas, o acesso rápido à informação e o desenvolvimento do conhecimento, a mobilidade e o acesso aos outros mesmo que do outro lado do mundo, nos permite sobreviver a tudo o que os nossos antepassados não conseguiram … e até nos permite explorar outros planetas e outras galáxias! Como não seremos capazes de matar um vírus!? Afinal somos os Reis e Senhores do Mundo! Temos a ilusão que controlamos (quase) tudo!
O ser humano já passou por muito … e sempre arranjou formas e estratégias de lidar com tanta adversidade. Podemos dizer que a evolução da espécie foi no sentido de procura de segurança, proteção, conecção e prazer e será talvez por isso que chegados ao século XXI sentimos a tal sensação de controlo pelo menos da nossa “vidinha”. Mais eis que surge um vírus (que nem sequer é organismo vivo!) e consegue colocar a humanidade em polvorosa. Somos confrontados com o desconhecido, com a incerteza real, com a falta de controlo e, ainda com o impacto que tem nas nossas vidas a vários níveis. Acho que nunca pensámos sentirmo-nos numa posição tão vulnerável. Sim parece muito para cada um de nós e para todos nós …
We are the result of 3.8 billion years of evolutionary sucess. Act like it !
Como será agir como tal? Com resiliência!?
A necessidade vital de segurança, satisfação e conecção foi posta em causa e a resposta do nosso cérebro, a que utilizavam os nossos antepassados e que lhes permitiu sobreviver num mundo hostil e selvagem, é fugir, lutar ou congelar. Mas concordarão que no século XXI não seria uma estratégia inteligente. Porque será que o cérebro mantem um mecanismo primitivo de resposta a uma ameaça ou perigo? Na verdade se não fosse este alerta vermelho, se não tivéssemos medo não iriamos levar a cabo as estratégias de proteção e segurança que precisamos… Mas a espécie evoluiu e precisamos de outras respostas mais adaptativas.
Muitos dirão “ eu considerava-me uma pessoa resiliente mas perante esta pandemia estou com medo e não sei o que fazer”
O que significa resiliência? A resiliência é a capacidade para responder a pressões a acontecimentos geradores de stress rapidamente, adequadamente e eficazmente. Faz parte da condição humana ser resiliente. A resiliência é um recurso, é uma competência inata que temos enquanto seres humanos e que somos chamados a desenvolvê-la ou utilizá-la quando necessário. Não se esqueçam que temos nas nossas costas o peso de 3.8 biliões de anos de sucesso evolutivo e não queremos comprometer o futuro da nossa espécie. :)
Neste momento somos chamados a ser resilientes e como a incerteza que ainda enfrentamos é imensa deixo algumas estratégias para lidar com a incerteza em tempo de pandemia.
Como lidar com a incerteza em tempos de pandemia
Passe do modo Alarme ao modo Tranquilo – A resposta automática a situação de stress, fugir lutar ou congelar, resulta do alarme acionado pelo cérebro perante uma situação de perigo ou ameaça. Este mecanismo automático foi útil aos nossos antepassados mas mesmo na situação atual não nos é vantajoso pois gera mais stress e tensão. Se reparar quando está mais calmo consegue pensar melhor, o seu pensamento é mais claro e organizado o que lhe vai permitir identificar formas de lidar com a situação mais adaptativas. Assim procure práticas que o relaxem e esteja conectado aos outros
O que pode escolher fazer? Para além do que pode controlar pergunte-se o que escolhe fazer. Esta pergunta permite-lhe alinhar-se com os seus valores e necessidades e encoraja-o a pensar na forma como quer lidar com esta situação.
Não tente antecipar o futuro – Não é o facto de pensar ouantecipar situações que lhe permite resolvê-las. Pelo contrário começa a “fazer filmes” na sua cabeça que só vão gerar mais stress e medo. Neste caso é mais adaptativo focar-se no presente. Imagine que tem 2 caixas, a caixa onde coloca tudo o que está relacionado com o presente e a caixa do futuro onde coloca as suas preocupações para o futuro, onde coloca os “e se…”. Repare que esta caixa pode alcançar uma dimensão grande e assustadora. Coloque esta caixa de lado, por agora e foque-se na caixa do presente, o que pode fazer agora.
Que recursos tem e pode utilizar? Identifique os seus recursos… Aqueles que utilizou noutras alturas de maior aflição. Lembre-se do que foi útil nessa altura e no que só atrapalhou. Esses recursos internos podem ser ações que tomou, atitudes, forças, perspetivas diferentes… Descubra os seus recursos!
Da Incertexa para um ingrediente chave que nos permite a reconstrução
Kintsugi é uma arte japonesa antiga que repara o que foi partido. Quando uma peça de cerâmica se parte os mestres desta arte reparam-na com ouro deixando a reconstrução visível porque simboliza a fragilidade, a força e a beleza.
E agora, que já estamos a recuperar algumas partes das nossas vidas, como recuperar e manter o equilíbrio?
Perante um acontecimento gerador de stress ou traumático os níveis do nosso funcionamento físico e psicológico baixam mas passado algum tempo temos a capacidade de voltar ao nosso nível base. É surpreendente a resiliência que ser humano tem! O que os estudos nos mostram é que isto acontece com grande parte das pessoas enquanto algumas não conseguem voltar ao nível base desenvolvendo perturbações como PTSD (perturbação de stress pós-traumático). Existem também algumas pessoas que ao retomar o nível de base experienciam um crescimento, a que chamamos o crescimento pós-traumático e que consiste numa mudança psicológica positiva após uma vivência traumática. Podemos identificar 7 áreas de crescimento:
– Maior apreço e valorização da vida
– Fortalecimento das relações
– Desenvolvimento de compaixão e altruísmo
– Atribuição de um novo significado à vida
– Maior consciência e utilização das forças pessoais
– Desenvolvimento espiritual
– Criatividade
No fundo o crescimento pós-traumático consiste em reconstruir o que foi quebrado, criando (como muitos agora dizem) oportunidades a partir das adversidades, gerando novos significados. Estarão neste momento a questionar “mas como é que isso se faz?” Acredito no que diz Viktor Frank, psiquiatra austríaco que sobreviveu a Auschwitz, “quando não conseguimos mudar a situação, somos desafiados a mudar-nos a nós próprios”
Existem dois pontos fundamentais para o crescimento: a flexibilidade cognitiva que nos permite adaptar a novas situações e gerar novos significados e a aceitação e permissão para sentir o desconforto e dor emocional legítimo
Fique bem! Proteja-se a si e aos outros!
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O paradoxo da preocupação!
“The catastrophe you fear will happen, has in fact already happened” [...]