Imagine alguém que quer mudar a sua relação, descrevendo um comportamento repetitivo de manipulação por parte do parceiro e a incapacidade de sair deste mesmo padrão, considerando que se se esforçar mais, o parceiro vai amá-la mais. Fala do parceiro e da relação como sendo tóxicos e fica ancorada aqui. Muitas vezes o assumir este tipo de caracterização, pode levar a um aumento da sensação de impotência, culpabilização e vergonha: “Mas é tão óbvio que isto é tóxico, porque não saio?” Como se uma dinâmica relacional destas viesse com um aviso, com um disclaimer, como os pesticidas. “Estou-me a auto-sabotar!” O uso da terminologia “tóxico” e “sabotagem”, embora possa ser uma maneira fácil de caracterização, pode levar a uma visão a preto e branco.
Ao colocarmos a reflexão num padrão relacional, que afeta a forma como navegamos no mundo e que ao ser repetido, está a tentar cumprir uma necessidade relacional que não foi satisfeita, pode abrir caminho para a resiliência, para a construção de significado e crescimento.
Imagine agora que, enquanto crescia, esta pessoa, nas suas relações, aprendeu que o amor e o cuidado é condicional e completamente dependente de critérios arbitrários ou mutáveis, ou que era melhor que não expressasse necessidades e colocasse limites, e aprendeu a relacionar-se com cuidado, para evitar a zanga e fazer o que fosse necessário para que as pessoas à sua volta, ficassem felizes e se mantivessem em relação com ela.
É importante abordar este tema com curiosidade e clareza sobre o que está a ser dito, e em psicoterapia é feito através de alguma psicoeducação, mapeamento desta “dança” e ajudar a clarificar os vários papéis e funções que cada um está a assumir nesta relação. Poderá ser interessante perceber que necessidade está a ser cumprida, de cada vez que se mantém na relação, incluindo os temas de vergonha, até porque esta emoção pode, não propositadamente, mas inevitavelmente, alimentar um ciclo: a vergonha de não sair da relação, torna-se a razão para ficar. É particularmente interessante, já que a auto sabotagem toca no tema de dissonância, no desequilíbrio interno ou desconforto experimentado quando palavras, ou ações não se alinham com crenças e valores. Fazer este trabalho de ligação pode ajudar a trazer à reflexão uma história de um mundo interno, de necessidades não satisfeitas ou satisfeitas num formato “tóxico”, o assumir o poder e responsabilidade na dinâmica relacional, definir limites e quebrar padrões.
O mesmo pode acontecer quando falamos em emoções tóxicas, já que associado ao tóxico, vem esta ideia de uma emoção ser má e como tal, não se endereça, tem de se anular e esconder. Este tipo de nomenclaturas podem invalidar toda a experiência emocional humana e negligenciar a regulação emocional, impedindo que as emoções sejam processadas e identificadas na sua intencionalidade e função.
Outro fenómeno é a Síndrome do impostor. Descrito pela primeira vez pelas psicólogas Suzanne Imes e Pauline Clance, na década de 1970, mas em crescimento nos últimos anos, é um conceito que descreve indivíduos que apresentam uma incapacidade de internalizar as suas concretizações e um medo persistente de serem expostos como uma “fraude”. Normalmente, as pessoas utilizam este termo como diagnóstico (embora não o seja) e rótulo. Esta nomenclatura, muitas vezes, não permite observar a complexidade da pessoa, nas próprias características como traços de personalidade, crenças sobre competência, ambientes familiar e profissional altamente exigentes, vivências emocionais como a ansiedade, a depressão, e estratégias de coping utilizadas como, por exemplo, evitamento e compensação.
Embora todas estas terminologias sejam âncoras e organizadores importantes, podem-se tornar muito superficiais e simplistas. Não é fácil confrontar estas perspetivas em nós, muitas vezes encontramos uma polarização de dois lugares que não se cruzam, implicando ficarmos em lugares desconfortáveis e desafiarmo-nos, mas é importante não deixar que “o mapa se confunda com o território”.
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