A pessoa é agradável, atraente, sedutora; está no centro das atenções em todo lugar; é tão autoconfiante e carismática que fica fácil gostar dela, afinal quem não se sente especial estando na órbita de uma estrela? E a palavra é esta mesma, querido leitor: órbita, porque um narcisista jamais vai permitir que você ocupe um outro espaço.
“Narciso acha feio tudo o que não é espelho”, diz Caetano Veloso, numa frase que poderia ter sido escrita por Freud.
“Em primeiro lugar eu, em segundo eu, em terceiro eu, e se sobrar alguma coisa, fica para os outros”, afirma um paciente que me procura, explicando a razão do seu sucesso – o foco – mas que por outro lado não consegue se fixar em nenhum relacionamento.
Com base no mito grego de Narciso (o belo jovem que, apaixonado por si mesmo ao ver sua imagem na água, acaba por se afogar), Freud apresentou o conceito de narcisismo como uma fase do desenvolvimento humano, mas que deve ser superada pela busca do amor em outros objetos – o reconhecimento do outro, diferente de si.
O que acontece se esta fase não é superada é o que a psicopatologia chamou de Narcisismo e que, conforme a gravidade, pode vir a caracterizar um Transtorno de Personalidade.
O narcisista é altamente competitivo e autocentrado, tem padrões irrealisticamente altos, busca sempre um lugar superior e de destaque, e em seus relacionamentos busca bem mais do que oferece em termos afetivos. Ele precisa de admiração e aprovação constantes, tem baixa resistência à frustração, e utiliza o outro como espelho – aquele que lhe devolve uma imagem mais brilhante e sedutora será seu escolhido por um tempo, até que novos ‘espelhos’ se aproximem. Aí vai se mostrar o aspecto mais característico do narcisista: a falta de empatia, pois não leva em consideração os sentimentos e o sofrimento de quem ficou para trás. Costumo brincar com meus pacientes dizendo que o narcisista não tem relacionamentos, ele tem fãs.
Mas é importante destacar também o papel da cultura no aparecimento do narcisismo: vivemos num mundo onde a imagem é tudo, e a vaidade é elemento fundamental para ser bem sucedido. A competitividade, a obsessão pela aparência, os altos padrões estéticos impostos pela mídia, a rejeição à velhice e ao fracasso, sustentam a ideia de um certo narcisismo como vantagem evolutiva.
Entretanto, a valorização da imagem e do sucesso a qualquer custo reduz a tolerância às mínimas divergências – o que Freud chamou de narcisismo das pequenas diferenças – e acirra os conflitos, seja nas pequenas discordâncias do cotidiano ou nos grandes embates bélicos.
Se o outro não me satisfaz, se não é espelho daquilo que desejo, se tenta se opor às minhas vontades e ameaça minha autoestima, eu o agrido.
Este terreno se torna propício para preconceitos, fanatismos e violência; em minha opinião, o narcisismo tem um papel central na maioria dos conflitos, tanto pessoais como sociais, que vivemos atualmente.
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