A obesidade foi durante muito tempo apenas vista à luz do observável, ou seja, da sua componente física e não tendo em conta a componente psicológica. A obesidade é muito mais complexa do que simplesmente comer muito e não é meramente influenciada por fatores biológicos. Engloba fatores ambientais, emocionais e comportamentais que impactam com a mesma, ou até mais severidade a vida de uma pessoa. Apesar de não ser, na sua definição, uma perturbação mental, o impacto que tem é considerável, estando associada a diversas outras perturbações mentais, como a depressão, ansiedade, transtornos alimentares e eventos traumáticos.
A obesidade foi reportada como uma epidemia pela sua elevada prevalência global e a associação que tem com a diminuição de qualidade de vida e risco de mortalidade, especialmente nos países mais desenvolvidos. Parte da resposta para perceber a relação entre uma pior saúde mental e obesidade parece estar, como em vários casos, no início (infância). Esta etapa do desenvolvimento humano é das mais sensíveis e fundamentais no que diz respeito à saúde mental futura. Uma infância feliz com uma família e rede de suporte social apoiantes, pais responsivos, carinhosos e que promovam hábitos de saúde física e mental saudáveis, são essenciais num bom prognóstico e desenvolvimento positivo.
A realidade de muitas crianças não corresponde àquela que descrevi anteriormente, sendo vítimas de alguma forma de abuso físico, emocional, sexual, ou outras formas menos severas de trauma ou stress psicológico no início da sua vida. Qualquer uma destas formas de trauma nos primeiros anos de vida, prevêem obesidade em adulto, principalmente se houver simultaneamente a presença e desenvolvimento de transtornos alimentares comórbidos. Um estudo verificou, inclusive, que quanto menor for a idade de aparecimento de um transtorno alimentar, maiores são as taxas de eventos traumáticos, índice de massa corporal, severidade do transtorno alimentar e pior qualidade de vida em adulto. É cada vez mais claro o papel que as experiências negativas na infância podem ter no aumento de peso na idade adulta, assim como das crenças sobre peso e dificuldades emocionais que acompanham esses acontecimentos. Adultos com experiências passadas de trauma estão ligados a sintomas mais graves de transtornos alimentares, depressão e ansiedade.
Eventos de stress significativo/trauma nos primeiros anos de vida e o desenvolvimento de transtornos alimentares, andam de mão em mão, contribuindo de forma bastante significativa para um maior índice de massa corporal e consequente obesidade na vida adulta, sendo que pessoas com doença mental persistente e severa tendem a ganhar peso e mantê-lo, desde cedo. O uso da comida como um mecanismo de lidar com eventos de vida adversos pode ser visto como um mecanismo comum em indivíduos com passado de trauma e com transtornos alimentares.
Estas circunstâncias podem criar a ideia de perfeccionismo, problemas interpessoais, baixa autoestima, fraca regulação emocional ou controlo obsessivo de atividades e conceitos relacionados com comida. No fundo, a comida acaba por ser usada como uma forma de consolo emocional, proporcionando uma sensação positiva momentânea na reação a eventos, pensamentos ou emoções desagradáveis, reforçando um ciclo que pode ser difícil de quebrar.
É crucial apelar à importância de uma abordagem multidisciplinar na luta contra a obesidade crescentena nossa sociedade, intervindo não apenas a um nível fisiológico, mas igualmente ao nível psicológico, para ajudar as pessoas a lidar com traumas passados, assim como com perturbações mentais atuais, que possam estar a promover ativamente um ciclo disfuncional promotor da obesidade, colocando o foco nos problemas nucleares e não apenas nos sintomas.
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