Autor: Sofia Alegria
A experiência de luto é uma das mais dolorosas e intensas pelas quais podemos passar. O luto é uma experiência de sofrimento reativa, ou seja, um sentimento de perda de alguém ou algo que nos seja querido e que, portanto, supõe-se tremendamente angustiante. É claro que podemos falar em critérios mais generalistas, se quisermos. De acordo com o DSM-IV, este estado torna-se patológico se considerarmos a sua persistência no tempo (acima de 6 meses) e a capacidade de recuperação da pessoa que faz o luto. Ou seja, é importante perceber o seu condicionalismo nas nossas vidas. Algumas pessoas experimentam alterações significativas como sentimentos de culpa e raiva, angústia de morte, depressão, stress pós-traumático e outras perturbações ansiosas.
Tomar consciência da individualidade pelo qual cada um de nós experiencia essa vivência é fundamental para conseguir ultrapassar este processo. Apesar de ser um processo único e singular, vários autores sugerem que o processo de luto é vivido em diferentes fases que não são sequenciais nem obrigatórias a todas as pessoas. Não defendendo a escaramuça de nomenclaturas, denominamos a primeira por Negação. Nesta, são experienciados sentimentos de choque, descrença, confusão e negação. A pessoa que passa pelo processo de luto – o enlutado – fica desorientado, sem saber o que fazer, podendo isolar-se num progressivo evitamento do confronto directo com essa realidade.
Numa segunda fase podemos encontrar sentimentos de culpa e de impotência, uma vez que o enlutado quer recuperar a pessoa perdida e trazê-la de volta para que possa viver todas as oportunidades falhadas. Ao longo das várias etapas da nossa vida vamos enchendo, enchendo, enchendo a nossa vida de significados externos. Temos sonhos de jovem, é certo. Mas esses ficaram para trás. Os mais audazes relembram-nos em jantaradas de família, atribuindo-lhes um tom jocoso e pronto, passou. Sacudido para debaixo do tapete. Até que, de repente, somos confrontados com o que não vivemos e poderemos não ser mais capazes de viver. Então, a pessoa em trabalho de luto sente raiva pelo sucedido e direcciona-a para as pessoas que lhe estão mais próximas, como amigos e família.
Podemos até sentir raiva porque fomos vivendo a vida. A vida vai-se vivendo, o cão morre, (onde já não vai o periquito!?), os filhos crescem e cá estamos nós. Com sorte “os dois”, dizem os mais sábios em idade, pois “a vida é triste quando não é partilhada”. Mas com sorte ou sem ela, a verdade é que vamos sozinhos. Mais tarde essa raiva dá de novo lugar a uma culpa, culminando num enorme sentimento de tristeza e dor. Quem vai ou foi, vai ou foi sozinho. Somos nós e uma grande bagagem. E não cabe lá tudo.
A última fase, e aquela que será a ideal, é a de Integração. Nesta fase de recuperação há uma tomada de consciência dessa inevitabilidade, em que passado, presente e futuro tomam novos contornos. Nessa podemos pensar que, se na bagagem não coube tudo, é porque há sempre qualquer coisa que fica. Pessoalmente gostava que o que quer que ficasse perdurasse por muito tempo. O quê, não sei. Não é por não gostar de pensar sobre isso. É não ter tempo. Há o trabalho, os filhos, toca o telefone, festa de anos aqui, copo com amigos ali.
Será, então, que confrontar-se com a morte de alguém é mais do que isso? Será confrontar-se com a finitude e a temporalidade do ser. Digo, com a nossa própria finitude. Poderá fazer-nos questionar “Quem nos diz para onde ir? Quem de facto ficará a contemplar o quadro, mesmo depois da exposição fechar? O que deixamos cá para que não tenhamos verdadeiramente de partir?”
E, por falar nisso, vou ali fazer um chazinho, quero lá saber o que dizem, eu gosto, mesmo que seja coisa de velho, e depois se deixo ele estraga-se e eu não quero que depois venham cá dizer que só deixei para trás coisas inúteis e estragadas. Não que me importe com o que pensam ou com o que dizem a meu respeito, mas porque quero ter a certeza de que fiz tudo o que queria e estava ao meu alcance (que para já ir à Patagónia parece estar fora de questão) e que não me vou desta vida com pontas soltas.
Pelo menos saberão que gostava de chá.
E que isto desta conversa, falar daquilo… ai, disto, da morte!, é pior que enfrentar o papão.