Na minha prática clínica recebo com frequência pacientes recém-divorciados com crianças. Informam-me que estão a atravessar um período difícil, de muitas dúvidas, inseguranças e medos. Como gerir a culpa que sentem por não poderem ser pais a tempo inteiro?
A culpa e a saudade dos filhos, muitas vezes, exercem pressão no que diz respeito à manutenção de rotinas antigas, por exemplo, que tinham com os seus filhos aquando do tempo em que eram casados.
Vários pacientes dizem que continuam a jantar com a ex-mulher ou o ex-marido e os filhos; que continuam a estar presentes no ritual de adormecer os filhos; que fazem questão de estar presentes em ocasiões como o Natal, fim-de-ano ou aniversários.
Ora, gostaria de reflectir, justamente, sobre esta intenção de manter rituais antigos, os da família antes do divórcio, ainda que nela tenha ocorrido uma separação.
As crianças guardam memórias, têm expectativas e sofrem com a ausência dos seus pais. Qualquer criança, para crescer saudavelmente do ponto de vista psicológico, precisa de estabilidade emocional.
Quando falo em estabilidade emocional, refiro-me ao encontro entre a expectativa e a emoção que a antecede e sucede.
A separação dos pais é sempre um momento doloroso para todos os elementos da família, mas a manutenção de rituais próprios do período pré-separação gera estados de ambivalência emocional que contribuem para o prolongar dessa dor.
Naturalmente, pais e filhos ficam felizes por poderem estar juntos novamente e o momento da separação forçada, essa do dia a dia em que se deseja manter bastantes contactos, dificulta a superação da dor do divórcio.
Vamos imaginar um cenário perfeitamente possível: a festa de aniversário do filho de 8 anos que fica muito feliz por ver os pais juntos, mas que fica igualmente revoltado e triste por saber que apenas estão juntos porque ele faz anos. O aniversário é assim vivido com um misto de emoções que não trazem qualquer estabilidade à criança
Existe outra questão importante para ser debatida. As crianças são hipersensíveis e, facilmente, detectam estados de tensão nos seus pais. Geralmente, as fases de pré-divórcio são vividas com muita tensão e mesmo que os pais poupem as crianças no testemunho de discussões, estas apercebem-se do clima de hostilidade e tensão presentes.
Após o divórcio, geralmente, reina um ambiente de hostilidade, mágoa e zanga entre os pais.
Por isso, a manutenção de rituais familiares com a presença implícita ou explícita deste clima, muitas vezes para aliviar a culpa dos pais não é, minimamente, aconselhável.
Nos filhos, a noção de separação embora dolorosa, é importante que seja clara e não ambivalente ou pouco definida.
O fim deste ciclo da vida dos pais juntos deverá ser, claramente, definido por mudanças estáveis. Tanto quanto possível, duas casas, dois lares, a casa do pai e a casa da mãe. Os tempos de permanência em cada uma das casas, com cada um dos progenitores, também deverá ser claro e estável.
Não deverá haver misturas de contextos, pois esta mistura nunca é inócua, emocionalmente.
Se é difícil quebrar as rotinas outrora estabelecidas então, provavelmente, existe uma tentativa de negação da realidade movida por um forte sentimento de culpa. Digamos que o luto da separação não foi feito, ou ainda se encontra na sua fase de negação.
Se a culpa habita e cria situações de ambivalência, então é importante procurar ajuda psicológica especializada.
Os pais deverão ser estáveis e firmes na decisão da separação. Quanto maior estabilidade derem, mais estarão a contribuir para que os seus filhos quando forem adultos possam atravessar ou superar, saudavelmente, outro tipo de situações de separação, sem entrarem em estados de negação e ambivalência emocional, fortemente responsáveis pela manutenção da tristeza e pela impossibilidade de fechar um ciclo.
Ainda em relação ao divórcio e à melhor forma de o superar: quando há filhos, recomendo vivamente o livro da Colecção da Oficina de Psicologia, escrito pela minha colega Dra. Lúcia Paulino “Agora tenho duas casas” editado pela Arte Plural que ajudará os pais a explicar e a tranquilizar os seus filhos sobre esta nova fase das suas vidas. A fase do pós-divórcio.
Vale a pena pensar sobre isto.