Estamos separados, e agora?
A intensidade emocional com que as separações são quase sempre vividas faz com que seja difícil planear, o que se vai fazer de seguida, em concreto, o que fazer e o que evitar. Contudo, existem alguns aspetos que devem ser equacionados e alvo de reflexão cuidada, sobretudo se considerarmos que, atualmente, e mercê da existência de todo um mundo virtual, muito presente no mundo real, as nossas vidas, e dos que nos são mais próximos, acabam por estar mais expostas.
Após a separação, é importante que cada elemento do casal encontre tempo para si e para investir no autocuidado, refletindo sobre o que gosta de fazer e o que faz bem, tentando retomar ou iniciar essas atividades. Isto vai fazer com que se sinta melhor consigo próprio e recupere a autoestima e/ou autoconfiança que, muitas vezes, ficam minadas após uma separação ou divórcio.
As emoções que surgem devem ser aceites, quaisquer que elas sejam. O mesmo não significa agir em conformidade, mas sim, que é legítimo que apareçam emoções e sentimentos distintos, sem que cedamos à tendência de os catalogar como “bons” ou “maus”, procurando evitar ou suprimir os segundos. Deve ser dado espaço para que todo o espetro emocional seja sentido e vivido, com igual legitimidade.
Embora possa parecer uma tarefa difícil, sobretudo quando existem sentimentos de rejeição e a separação não era desejada, é crucial entender que o valor próprio não se define pela presença de outrem na sua vida e que, não é porque alguém deixou de querer ter uma relação consigo, que a pessoa perdeu as suas qualidades.
O que fazer após a separação?
Pela intensidade emocional já referida e que caracteriza este período da vida, existem algumas atitudes ou comportamentos que devem ser evitados. São disso exemplo:
– A tomada de decisões “de cabeça quente” ou sob tensão.
– O rápido envolvimento com outras pessoas e, sobretudo, o início de uma nova relação pouco tempo após a separação ou divórcio (a tendência para repetir padrões negativos, alguns dos quais podem até ter contribuído para a rutura, será muito grande).
– O desejo de ser logo amigo do ex-companheiro – por mais genuíno e bem-intencionado que seja, não é uma boa ideia, pelo menos nos tempos logo após a separação.
– A tendência para alimentar sentimentos de esperança de que a situação seja revertida (i.e., que a relação seja recuperada) se não houver qualquer indicador de que isso seja possível, ou idealizações da relação e do outro (que alimentam a primeira). No extremo, sentimentos destrutivos como o de vingança pelo sofrimento que foi infligido, ficando mesmo a pensar em formas de causar dor equivalente. Este tipo de registo só perpetua o sofrimento do próprio.
– Seguir/acompanhar a vida do anterior companheiro – isto é especialmente difícil nos dias de hoje, com a existência das redes sociais, mas fazê-lo aumenta a dificuldade em assumir o corte que existiu como sendo real e irreversível.
– Expor em demasia a vida privada e as emoções por que se está a passar – muitas vezes existe esta tendência, alicerçada na convicção de que o desabafo ajuda a minimizar a dor. É verdade que sim, mas isso deverá ser feito com as pessoas mais próximas e que nos merecem mais confiança. O mesmo se aplica às redes sociais.
– Alimentar sentimentos ou comportamentos de vitimização ou de pena de si – o que é diferente de aceitar que se está a passar um período difícil que envolve, naturalmente, sofrimento associado. Por outro lado, isto pressupõe a existência de uma vítima e de um culpado, sendo que as responsabilidades pelo final de uma relação serão sempre partilhadas.
O copo meio vazio da separação
Embora a separação seja sentida de forma diversa consoante tenha sido desejada ou não, podem existir sentimentos de frustração, falha ou insucesso mesmo para quem pretendeu separar-se, na medida em que uma separação corresponde sempre a um projeto de vida que não foi bem-sucedido. No caso da outra parte não pretender a separação e estiver a vive-la com dor e sofrimento, poderão existir também sentimentos de culpa. Se a separação não tiver sido suficientemente ponderada e equacionadas todas as consequências que advêm de uma decisão desta natureza, poderão surgir arrependimento ou remorsos.
Já para quem não deseja separar-se, a magnitude dos sentimentos “negativos” será inequivocamente maior, com possíveis sentimentos de perda (“um vazio”), abandono, rejeição, impotência, culpa (pelo términos da relação – O que é que eu podia ter feito de diferente? Onde é que eu falhei?), frustração, solidão. Sentimentos de mágoa, raiva e rancor em relação ao outro também podem surgir. Em casos mais extremos, podem surgir mesmo o desespero e a desesperança, como se nada mais valesse a pena e a vida não fizesse sentido sem a presença da outra pessoa.
Estaremos perante situações mais complexas quando existe uma recusa efetiva em aceitar a separação, o que corresponde, no fundo, a uma negação de uma realidade que está a acontecer. Naturalmente que, quando estamos perante um casamento, existem formas legais de o dissolver. Contudo, o recurso a medidas mais extremas (litigiosas) será de evitar, pelo que o diálogo deverá ser sempre tentado, com adoção de uma linguagem tão positiva quanto possível, evitando as acusações, as imposições e a cedência a provocações. Deve-se transmitir que a separação irá ocorrer independentemente da recusa em aceita-la, que não foi uma decisão tomada de ânimo leve, mas muito ponderada e indicar o motivo, ou motivos concretos pelos quais se tomou essa decisão, no caso da sua identificação ser possível. O recurso a exemplos concretos que ilustrem que a relação já não era satisfatória para ambos – por exemplo, conflitos constantes ou distanciamento físico/sexual duradouro – também pode ser útil.
No caso de existirem amigos e/ou atividades em comum, estes deverão ser evitados nos primeiros tempos, bem como a exposição nas redes sociais – meio muito utilizado hoje em dia para continuar a exercer controlo, ainda que à distância, sobre a vida do outro (poderá ser mesmo necessário eliminar e/ou bloquear o ex-companheiro das redes sociais). Não é necessário que se corte totalmente o contacto, mas este deve ser restringido ao estritamente necessário, sobretudo nos primeiros tempos após a separação.
Pode ser necessário recorrer a acompanhamento psicológico individual
Como em outras situações de crise e/ou geradoras de mal-estar, a psicoterapia pode ser um recurso importante nesta fase da vida, sobretudo em situações em que existam dificuldades em lidar com a separação, semelhantes às de um luto patológico pela perda (real) de alguém. A diferença é que, no caso da separação, se perdeu uma pessoa que permanece viva mas que “morreu” na função que desempenhava. Deste modo, a rigidificação em alguma das fases de superação da separação, por exemplo, recusando-se a aceitar o final da relação ou ficando “obcecado” pela vida do ex-companheiro, desenvolvendo, mesmo, comportamentos obsessivos, como os de controlo ou perseguição, serão motivos de preocupação séria.
Outros sinais de alerta frequentes são o desânimo, tristeza persistente ou outros sintomas tipicamente depressivos, ou a preocupação ou angústia excessivas, indiciadoras da presença de quadros ansiogénicos.
Também existe o copo meio cheio da separação?
Existem muitas pessoas que, por razões de natureza diversa, têm muita dificuldade em encarar a separação/divórcio e, sobretudo, em assumir para si e para os outros o novo estado civil. A tendência é que seja mais difícil com o avançar da idade, pelo estigma que ainda vai existindo, sobretudo, em relação às mulheres solteiras/divorciadas. Contudo, poderão existir algumas vantagens associadas a esta nova fase da vida e que passarão, sobretudo, pela maior disponibilidade para ter tempo – e espaço – para si, para se dedicar a investir em atividades que, pelo privilégio do tempo passado em casal, foram sendo adiadas ou colocadas de lado – com a possibilidade de desenvolver sentimentos de realização e autoeficácia. A par deste investimento no bem-estar próprio, poderá haver também um investimento maior na rede social de suporte, seja a família, os amigos (antigos ou novos) ou os colegas de trabalho. Sabe-se que ter uma rede social satisfatória é um dos fatores que mais contribui para o bem-estar psicológico.
Quanto mais recursos internos um indivíduo tiver, também mais fácil será superar uma situação de crise, qualquer que seja a sua natureza. No caso concreto de uma separação, estaremos a falar de recursos como a resistência/tolerância à frustração; capacidade de adaptação à mudança e de aceitação da novidade; autoestima/imagem de si positiva, com uma noção de valor próprio associada; bem como capacidade de lidar com o stress. Todas estas competências são desafiadas quando uma separação acontece, pelo que se um indivíduo já tiver mostrado tê-las em situações difíceis de natureza distinta, a capacidade para lidar com a separação de forma positiva tenderá a ser maior. Por outro lado, se estes recursos ainda não tiverem tido oportunidade de ser mobilizados, poderá sair-se de uma separação mais preparado para fazer face a desafios futuros.
Mais uma vez, todo o processo de separação e o reconhecimento de que este pode conter aspetos positivos, será mais difícil para quem não desejou a separação. Com o decorrer do tempo e, começando a vivenciar experiências positivas, vai-se tornando progressivamente mais fácil aceitar a nova fase da vida que já está em marcha.
Quando é que se está pronto para uma nova relação?
É difícil quantificar o tempo necessário para que o processo de luto da relação que terminou ocorra, sendo que o mesmo varia de acordo com uma multiplicidade de fatores idiossincráticos. O que parece ser indiscutível é a necessidade de existência desse tempo de luto, que as investigações demonstram ser de cerca de um ano. Neste tempo olha-se para o passado, pensa-se no que podia ter corrido melhor e qual o contributo dado para as dificuldades sentidas na relação. Esta é uma reflexão que se pretende positiva e construtiva e não em registo de ruminação ou obsessivo, como fonte de alimento de sentimentos autodestrutivos. Só depois de se ter “reorganizado” o passado e o presente (uma separação pressupõe toda uma nova dinâmica quotidiana, que começa nas rotinas mais simples), será altura de olhar em frente e dar a mão a um novo projeto relacional.
Rita Fonseca de Castro
Psicóloga Clínica e Terapeuta Familiar
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