As abordagens psicoterapêuticas com adultos baseiam-se sobretudo no uso da palavra, já com crianças recorrem a actividades lúdicas, numa abordagem que se designa genericamente de play therapy (terapia pelo brincar). Na psicoterapia com crianças é frequente o uso de jogos, mais ou menos estruturados, com recurso a técnicas como a “mala de ludo”, a caixa de areia, desenhos ou role play (desempenho de papéis).
A premissa fundamental que sustenta o facto de as crianças brincarem é gostarem de o fazer. As crianças gostam de qualquer actividade que envolva experiências físicas e emocionais de carácter lúdico. A brincadeira é um “terreno seguro” e conhecido, onde podem exteriorizar todo o tipo de emoções sem receio de que estas, sobretudo as negativas (como a raiva, ansiedade ou agressividade) lhes sejam “devolvidas” pelo ambiente. É preferível fornecer poucos materiais e ideias às crianças para elas brincarem do que providenciá-los em excesso. As crianças têm extrema facilidade em procurar objectos e inventar brincadeiras, retirando prazer disso. Elas precisam de brincar para construir a sua personalidade e desenvolver a criatividade.
No que diz respeito à capacidade de brincar e ser criativo, podemos considerar três diferentes estádios de desenvolvimento, que implicam também diferentes tipos de expansão da experiência:
1) A criança começa por explorar o seu próprio corpo e o corpo da mãe através de actividades repetidas. Observa-se o chamado jogo personificado, com a criança a explorar o mundo através dos sentidos, usando materiais tácteis. Existem as circunstâncias necessárias para alargar o seu mundo.
2) Passa a existir um universo de pequenos brinquedos e objectos manuseáveis, com os quais a criança brinca sozinha, descobrindo o mundo que existe fora dela, e através dos quais pode explorar histórias alternativas. Estes objectos ajudam as crianças a separarem-se dos seus problemas e a expandirem perspectivas, brincando de forma projectiva. O prazer advém da mestria sobre os brinquedos. Trata-se do jogo progressivo.
3) Finalmente, a criança aprende o prazer de partilhar o mundo com os outros, até chegar às brincadeiras sociais e dramatizações, que recebem a designação genérica de role play. Quando a criança começa a fingir que está numa situação familiar e que é outra pessoa, torna-se possível a transformação da realidade do dia-a-dia numa “realidade dramatizada”. Estas “experiências transformativas” criam mudanças, que são experimentadas a um nível cinestésico/corporal.
As terapias narrativas com crianças baseiam-se precisamente na utilização de processos de dramatização como forma de “abrir caminho” para a criatividade, espontaneidade, exploração, expansão e crescimento. A dramatização permite que a criança explore histórias familiares, bem como histórias hipotéticas ou alternativas.
A opção de trabalhar coisas sérias através do brincar e do jogar é apostar na espontaneidade e na linguagem mais familiar à criança. Experimentam-se papéis, lida-se com a frustração, reforça-se a flexibilidade de raciocínio, avaliam-se os riscos e os limites. Não devemos esquecer que o material do jogo, por mais atractivo que possa ser, é sempre, e somente, um veículo para o estabelecimento da relação e não suscita mudanças por si só. A relação é o verdadeiro “instrumento” e veículo que nos conduz à mudança. Daqui a importância de, enquanto terapeutas, investirmos na construção de uma relação de confiança, aliança e segurança com as crianças.
“Se um dia aprendemos através do brincar, brincando seguiremos aprendendo.”
Sónia Pó e Raul Melo, “Histórias Simples de uma Simples História”