Está a passar por uma situação de desemprego, separação, reforma ou qualquer outra que o faz sentir-se mais sozinho que o habitual?
Caso o título lhe tenha sugerido a questão tão actual quanto debatida das redes sociais “virtuais”, esse não é, de forma alguma, o objectivo. Aquilo a que me proponho, além de alertar para a falsa sensação de companhia e suporte a que as redes sociais podem conduzir, é a de olharmos para nós e para quem nos rodeia como um recurso poderoso para fazer face a situações adversas. Porque ninguém vive isolado, vamos formando a nossa própria Rede Social, que pode ser definida como a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadoras da massa anónima da sociedade. A rede social determina o nicho social da pessoa, contribuindo para o seu próprio reconhecimento como indivíduo e para a imagem que tem de si. É uma das chaves centrais da experiência individual de identidade, bem-estar, competência e actividade, incluindo hábitos de cuidados de saúde e capacidade de adaptação.
Quando passamos por uma situação de crise ou perda, somos invadidos por uma sensação de vazio – de identidade, de história, de continuidade, de nutrimento emocional, de feedback social, de cuidados de saúde, de validação, de responsabilidade pelo outro… Este vazio, produzido pela perda de um vínculo que faz parte da nossa “identidade-em-contexto”, é uma experiência universal. Como exemplo, podem indicar-se situações como o desaparecimento de um familiar ou amigo próximo, a perda de um atributo físico numa situação de doença ou acidente, o desaparecimento de um princípio organizativo prospectivo – quando se compreende que um sonho nunca será concretizado – ou retrospectivo: descoberta de que uma figura idealizada tinha um fundo corrupto, mudanças de contexto (emigração, por exemplo), e, por fim, a perda de qualquer “posse”, material ou imaterial.
Neste âmbito, a questão que surge é como é que o processo reparador das ausências e vazios sentidos pode ser operado, tornando-os mais toleráveis e mais preenchidos. Qual será o papel dos introjectos e do “outro” – família, amigos, conhecidos, ou seja, a rede social significativa – no processo reparador? Não obstante o seu carácter universal, a experiência de perda e dor, de alegria e amor, de criar e perder, de viver e evoluir – é única para cada indivíduo-em-contexto.
Ao atendermos a uma lógica ecossistémica, segundo a qual as fronteiras do indivíduo não estão limitadas pela sua pele, incluindo todos aqueles com quem interage, o conceito de rede social oferece-nos um construto ou pressuposto conceptual que permite ancorar a óptica sistémica/familiar num contexto mais amplo que inclui o meio microssocial. Neste sentido, poder-se-á admitir que o sistema significativo do indivíduo não se encontra delimitado pela família nuclear extensa, incluindo todo o seu conjunto de vínculos interpessoais: família, amigos, relações de trabalho e de estudo, inserção comunitária e em práticas sociais. A inclusão deste nível intermédio da estrutura social expande qualitativamente a óptica sistémica, permitindo uma compreensão mais completa tanto dos processos de desenvolvimento da identidade em contexto e da integração psicossocial, como das bases psicossociais de conflitos, sintomas e problemas, e dos processos terapêuticos que favorecem os processos de mudança. Neste âmbito, a fronteira da rede social significativa, a que alguns autores chamaram “comunidade pessoal” é arbitrária, embora determinados acontecimentos de vida, como por exemplo um acidente, tenham impactos distintos em mim conforme sucedam com a minha mãe, um amigo próximo, um colega de trabalho, uma pessoa que conheço “de vista” ou um artista famoso. Isto permite a diferenciação entre a “rede social pessoal” e a rede “macro”, que inclui a comunidade de que faço parte, a sociedade em que me incluo, a espécie a que pertenço e a nossa ecologia.
A rede social contém, sustenta e é gerada por narrativas que constituem a identidade dos seus membros e pode ser aplicada com diferentes propósitos: descritivos, explicativos, interventivos ou terapêuticos. Pelas suas funções, a rede social pode desempenhar um importante papel de suporte. Existem mesmo evidências de que uma rede social estável, segura e confiável é algo indispensável para o bem-estar do indivíduo: de acordo com Carlos Sluzki*, a presença de uma rede social substancial protege a saúde do indivíduo e a saúde do indivíduo mantém a rede social.
Se atendermos ao ciclo de vida por que as famílias passam¬ e às suas diferentes fases, a formação do casal surge com especial importância neste âmbito. Quando esta aliança ocorre, há uma integração da rede social do parceiro. O número de amigos em comum e o apreço pela rede social do outro manifesta-se de forma positiva nas relações. As redes de um casal são partilhadas ao nível da família e da comunidade. Há variações de acordo com a fase do ciclo de vida em que um casal se encontra, com uma família a procurar mais a companhia de amigos com filhos pequenos quando também se encontra nessa fase, por exemplo.
Quando os indivíduos sentem que a sua rede social apoia a relação, tendem a sentir uma maior segurança face à adequação do parceiro escolhido e à própria relação. De igual forma, o apoio e aceitação da rede social traduzem-se num maior equilíbrio cognitivo, parecendo que essas dimensões influenciam positivamente a estabilidade conjugal.
Já a família de origem assume especial relevo enquanto contexto de aprendizagem da dinâmica pertença/individuação, enquanto factor interveniente na escolha do parceiro – potencializando a procura da continuidade e/ou diferença – e, ainda, enquanto factor que influencia o desenvolvimento da conjugalidade.
Em suma, ao centrarmo-nos no complexo sistema de relações interpessoais que rodeia o indivíduo acedemos a um modelo para a análise dos processos microssociais (da interface indivíduo/família/rede de relações) que enriquece substancialmente a observação de processos, a geração de hipóteses e a acção em terapia sistémica. A incorporação desta óptica no trabalho profissional “desaliena” o indivíduo e a família do seu meio social e, em simultâneo, “desaliena” o terapeuta na sua prática.
* Sluski, C. (2007). Famílias e Redes: Rede social e perspectiva familiar sistémica. In L. Fernandes e M. R. Santos (coords.), Terapia Familiar, Redes e Poética Social (pp. 97-125). Lisboa: Climepsi Editores.