O trabalho de acompanhamento psicológico que tenho realizado com as famílias na minha atividade clínica tem-me ensinado muito sobre a dimensão relacional dos sintomas. Muitas pessoas têm uma ideia vaga do que é a terapia familiar. Vou tentar trazer alguma luz, refletindo sobre a forma como esta modalidade psicoterapêutica pode operar, por exemplo, num sintoma tão frequente nos pedidos de terapia individual nos dias de hoje: o pânico.
As grandes manifestações de ansiedade dentro das quais o pânico não só se inclui como se destaca pela voracidade e surpresa com que bloqueia as suas vítimas, invocam normalmente nas pessoas que solicitam ajuda psicológica, três sensações descritas de forma bastante clara quando se lhes pergunta “o que mais o/a aflige?”. São elas “um medo terrífico de morrer”, “uma perda total de controlo sobre mim mesmo(a)” e “uma impotente fragilidade”. Essas mesmas pessoas têm-me ensinado que estas sensações são uma espécie de código, alfabeto, com que aprenderam, ao longo da vida, ou em ocasiões muito específicas, porventura traumáticas, a sinalizar de forma bastante vistosa os momentos em que estão para entrar em contacto consigo próprias. É como se em cada ataque de pânico uma pessoa treinasse uma sintonia consigo própria que por qualquer razão, durante anos, lhe foi difícil. Mas é também um alfabeto que permite aceder à vulnerabilidade e ao desconhecido, utilizando um código que é uma espécie de “manual de sobrevivência”, indicando que vulnerabilidade e desconhecido são dois mundos perigosos, não vividos, não partilhados, não comunicados de forma livre, ou então prenhes de culpa e de uma baixa resistência à frustração.
Há tempos atrás, no final de uma sessão de terapia familiar, um pai de uma cliente que sofria de ataques de pânico, agradecia ter estado a chorar durante a última meia hora da consulta. Tinha chorado enquanto explicava à filha o quanto tinha sofrido em silêncio com a morte da própria mãe e quanto a incapacidade de se ver como uma pessoa frágil o tinha impedido de ser um pai afectuoso, para dar lugar a um pai rígido, que consegue controlar as próprias emoções e manter as pessoas importantes por perto. Este era o “manual de sobrevivência” de um homem, que no momento em que é partilhado e enquadrado na história da sua família permite a construção de um novo “manual de vivência familiar”, onde as emoções passam a ter nomes, onde a solidão passa a ter partilha e onde a vulnerabilidade passa ser um recurso.
A nossa capacidade para estarmos connosco próprios é, no fundo a nossa capacidade para nos reconhecermos como pessoas autónomas, sendo a autonomia não a capacidade para pôr os problemas para trás das costas – a mochila acaba por ficar demasiado pesada! – mas para viver um problema quando ele existe. Dar oportunidade a um problema para que ele possa existir é normalmente o que lhe permite reduzir o tamanho.
A terapia familiar, também denominada como terapia sistémica, ajuda um sistema de pessoas significativas, no seu universo de relações, a criar um contexto de partilha de vulnerabilidades mas também de recursos que permitem alargar o alfabeto emocional desse conjunto. Na terapia familiar, os casais, os amigos, os familiares, às vezes os professores, se estamos com os mais novos, outras vezes até os patrões, se estamos com os mais velhos, constroem novos sistemas de comunicação e diferenciação, novos limites e novas partilhas que lhes permite transformar o peso de “sobreviver sozinho aos problemas” no gosto por “viver os problemas acompanhado”.
Portanto, se sofrer de um problema pode começar pelo seguinte:
1) Defina o problema. Por exemplo “eu sofro de ataques de ansiedade”.
2) Reflita sobre o que o problema diz acerca de si. Por exemplo “eu sou frágil”.
3) Peça ajuda: pergunte a alguém próximo de si o que pensa, não do problema, mas do tema que ele suscitou em si. Por exemplo “pai, o que é para ti a fragilidade?”, ou “filha, o que é para ti a insegurança?”
4) Não se contente com a primeira resposta. Por exemplo “está bem, mas lembras-te de algum acontecimento em que te tenhas sentido assim? Como foi?”
5) Tire as suas conclusões. Volte a pedir ajuda.
6) Nunca deixe de pedir ajuda.
Se perder a esperança, a psicoterapia pode ajudar recuperá-la!
Autor: Francisco Gonçalves Ferreira