Porque é que nos separamos?
(Ou estamos a caminho da separação…)
Se considerarmos que os dados estatísticos de 2017 situam Portugal como o país da Europa com mais divórcios – com cerca de 65 divórcios por dia – falar de relações conjugais é, forçosamente, falar também dos motivos que levam a que mais de metade destas não sejam bem-sucedidas.
A estatística revela-nos também que a média de idades dos casais divorciados se situa nos 44,5 anos e que, embora o divórcio seja mais frequente no grupo etário dos 30 aos 39 anos, nos últimos anos tem aumentado entre os cônjuges de idades mais elevadas. Da mesma forma, o divórcio ocorre mais em casamentos que duram entre 5 e 9 anos, embora nos últimos anos tenha aumentado o número de casamentos com duração superior aos 25 anos que são dissolvidos através de divórcio. Já o número de filhos tem uma relação inversa com o divórcio, uma vez que é mais frequente a existência de divórcios em casais sem filhos ou com apenas um filho.
Se pensarmos nos dados enunciados, estamos perante duas tipologias de casais: aqueles que têm relativamente poucos anos de casamento, muitos deles com filhos pequenos, na fase profissional tendencialmente mais ativa e, muito provavelmente, a sentirem-se assoberbados com todas as exigências que enfrentam; mas, também, casais mais velhos, provavelmente na chamada fase do “ninho vazio”. O que sucede neste último caso é que, com frequência, dedicaram a sua vida a cuidar dos filhos, estiveram divididos entre tarefas de casa, profissionais e outras, e, quando os filhos saem de casa, muitas vezes olham um para o outro como dois estranhos, que (já) não se conhecem. Se, antigamente, estes casais permaneciam unidos até ao final da vida, com a crescente banalização do divórcio nos últimos anos, optam por se separar e viver o que muitos descrevem como “uma segunda vida”, com ganhos de liberdade e disponibilidade. Para o desgaste das relações conjugais, contribuem também situações de crise “externa”, como o desemprego.
Procurarei enunciar alguns dos motivos que estão na génese das separações conjugais, que também podem ser lidos como indicadores de probabilidade de que uma separação vai ocorrer ou, em alguns casos, de que esta será o melhor caminho a tomar, com vista à preservação do bem-estar de cada um dos elementos do casal per si:
– Situações graves, como as de violência/abuso físico e/ou psicológico.
– Predominância de “más memórias”, ou seja, o casal só consegue ver a vida em conjunto de forma negativa, sendo que este excesso de negatividade leva a que exista uma perceção distorcida que, não só afeta o passado e presente da relação, como também acaba por condicionar o seu futuro.
– Incompatibilidade de objetivos e projetos de vida, existindo a perceção de que os elementos do casal se encontram em fases/momentos da vida totalmente díspares.
– Incapacidade de ver ou falar sobre a relação no futuro – uma manifestação pode ser a não inclusão do outro na vida familiar ou círculo de amigos (como se não valesse a pena porque, mais cedo ou mais tarde, este vai acabar por sair da sua vida).
– Ausência de sentido de compromisso com a relação e com o outro, o que é um mau preditor para o sucesso da relação.
– Casais que vivem juntos mas fazem vidas separadas e, mais que isso, se sentem profundamente sós mesmo quando estão acompanhados – existe a perceção de que já não existe nada em comum que una os elementos do casal.
– Há uma escolha – consciente e reiterada – pelo envolvimento em atividades que não envolvem a participação do companheiro, o que corresponde a um evitamento de tempo passado em conjunto.
– Ruturas e recomeços frequentes da relação, sem que os verdadeiros motivos de afastamento ou atrito sejam alvo de discussão preventiva e positiva. Também, quando existem referências frequentes à separação (ainda que sejam sob a forma de ameaça e esta não se concretize, são um mau indicador do estado da relação).
– A atração física torna-se ausente e não há desejo de fomentar a intimidade, contexto em que se torna difícil perspetivar a continuação da relação (embora, em muitos casos, o envolvimento sexual persista).
– A vida em conjunto, ou a parte positiva da relação, circunscreve-se à sexualidade – por mais importante que esta seja, não é suficiente para sustentar uma relação a médio/longo prazo.
– Existe a sensação de que a maior parte das necessidades individuais não estão a ser satisfeitas na relação que se tem e chega-se a fantasiar sobre como seria ter uma relação com outras pessoas (ainda que seja em abstrato, há uma idealização do que seria a vida ao sair da relação).
– Quando os ciúmes e/ou desconfianças ficam fora de controlo, sem que existam sequer motivos objetivos para tal e se tenta boicotar a preservação do espaço de individualidade vital para cada elemento do casal.
– Se um dos elementos do casal não fez corretamente o luto de uma relação anterior e ainda se encontra emocionalmente ligado a um ex-companheiro, não conseguindo entregar-se devidamente à relação atual. Relacionado, ou não, com este aspeto, quando se está numa relação mas se mantêm todos os comportamentos da vida de solteiro (do que se infere a ausência de um sentido de compromisso).
– Quando alguém se apercebe de que está numa relação apenas porque “é melhor do que nada” ou porque tem medo de estar só/solteiro.
– Existência de diferenças efetivamente inconciliáveis de valores e princípios de vida, muitas vezes com influência (ou, mesmo, intromissão) negativa da/s família/s de origem.
– Quando, na maior parte do tempo, se olha para o companheiro e predominam emoções negativas, como a irritação, raiva ou aborrecimento.
– Quando se alimenta a expectativa de que o outro vai mudar radicalmente em aspetos que são estruturais para a sua personalidade.
– Quando as interações negativas e as discussões são consideravelmente mais frequentes que as positivas.
Pela importância que a comunicação tem na vivência conjugal, merecem destaque algumas manifestações que podem estar na génese de ruturas ou serem indicadoras de que a probabilidade de que estas venham a acontecer é significativa:
– O início da discussão sobre qualquer tema é logo “duro” – por exemplo, é assumido um tom negativo, acusatório ou sarcástico.
– A comunicação no casal assume persistentemente padrões negativos de interação, como o Criticismo (críticas generalizadas, não circunscritas a um determinado acontecimento; incapacidade de ver os acertos do outro – só se consegue ver os “erros”); Desprezo (humilhação, ridicularização, com um sentido de superioridade que demonstra falta de respeito); Defesa (ataca para se defender e costuma culpabilizar o outro por todas as dificuldades da vida a dois); Indiferença (nunca ouve o que o outro diz ou finge que não ouviu).
– Um, ou os dois, elementos do casal, sentem-se, literalmente, inundados numa discussão, tal é a dimensão e imprevisibilidade do negativismo que provém do companheiro, tornando-se incapazes de reagir. As pessoas acabam por se proteger desta “inundação” desligando-se ou construindo muros à sua volta. O desligamento emocional destes sentimentos intensos negativos é protetor, mas pode conduzir também a um distanciamento crescente.
– Quando, a par do negativismo, surgem mudanças fisiológicas, tais como o aumento dos batimentos cardíacos, da secreção de adrenalina e da pressão arterial, que impossibilitam a continuação da discussão.
Naturalmente que a terapia de casal pode ser um recurso fundamental para fazer face a muitas das queixas enunciadas, com uma margem de sucesso considerável na possibilidade de inverter um caminho que parecia ter a rutura como destino certo. Contudo, tal será tão mais difícil quanto maior for o número e a severidade das dificuldades presentes, bem como a inexistência de autocrítica e a presença de um desejo real de mudança em cada um dos elementos do casal (em si, e não observar apenas as mudanças no outro e na relação).
Rita Fonseca de Castro
Psicóloga Clínica e Terapeuta Familiar
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