Será a anorexia uma doença dos nossos dias? Qual o papel da nossa sociedade para o seu desenvolvimento?
Alguns dados relevantes…
Sabemos que a prevalência de problemas de anorexia em Portugal é de 0.39% (Machado, Machado, Gonçalves & Hock, 2007). Os dados demonstram também, que esta perturbação parece ser mais prevalente entre as adolescentes do sexo feminino (0.6%), apesar de existirem cada vez mais casos observados em rapazes (0.4%) (Pocinho, 2000), com uma idade média de início de 17 anos (APA, 1994).
No entanto, nos últimos anos registou-se um número crescente deste tipo de diagnóstico. A questão é que parece não estar claro se são os casos de anorexia que aumentaram e há cada vez mais pessoas a restringir exageradamente o que comem ou se a sociedade e os profissionais de saúde tem estado mais atentos a este problema.
Um bocadinho de história…
Através da história estamos certos de que a anorexia não aparece exclusivamente nos nossos dias, uma vez que já na idade média existem registos sobre uma estranha doença de jejum voluntário, explicada na altura como um possível jejum religioso (Ferreira, 2003). Para além de relatos de rainhas que se preocupavam excessivamente com uma imagem magra, quando na altura se valorizava formas mais arredondadas.
Porém, os relatos mantém-se escassos ao longo da história, havendo algumas tentativas de explicação da doença, mas sem grande reflexão ou preocupação sobre o assunto…
Então porque é que esta é uma perturbação tão falada nos nossos dias?
O que é que faz com que ela seja mais saliente na nossa sociedade?
Não existe dúvidas de que nos últimos anos houve uma grande avanço na medicina e na psicologia e uma sensibilização para estes estranhos casos de sub-nutrição e magreza intencionais. Este é um dos fatores que explica o crescente número de casos diagnosticados, uma vez que também lhes é dada mais atenção.
A ideia de beleza…
Porém, numa sociedade onde a informação é massificada e circula a um ritmo alucinante, não podemos desvalorizar o efeito que a comunicação social e a publicidade têm na nossa mente e nas nossas crenças em relação à beleza.
Ora, se no início do século vinte era valorizado um corpo feminino com a forma de ampulheta (peito e ancas largas e cintura estreita), no final do mesmo século começa a ser valorizado o corpo feminino liso e com traços mais masculinos (Ferreira, 2003). Assim, assistimos à difusão, pelos meio de comunicação, de uma imagem corporal feminina que pouco tem a ver com a maioria das mulheres, com um corpo irrealisticamente magro, publicitado como estando ao alcance de qualquer mulher, com muito esforço e dedicação (Pinto-Gouveia, 2000). Isto levará facilmente à crença de que – “se eu me esforçar muito, vou conseguir ser tão magra como elas”, quando muitas vezes a nossa própria carga genética não o permite.
Para além disto, parece patente a ideia de que esses modelos de magreza são mais felizes, mais inteligentes e mais sociáveis, como se tudo de bom pudesse advir desta forma corporal magra e lisa (Pinto-Gouveia, 2000; Fonseca, Pereira & Bento, 2012). Também esta forma é associada a um maior auto-controlo, rigor e sucesso, enquanto pessoas com formas mais arredondadas são vistas como tendo características associadas à gulodice, descontrolo e desleixe consigo mesmas (Silverstein, Perdue, Peterson, Vogel & Fantini, 1986).
Esta ideia generalizada poderia não ter qualquer impacto, mas os estudos têm demonstrado que uma maior exposição a informação que valoriza o corpo magro como ideal de beleza, aumenta a ideia de que ser magra é importante, levando a sentimentos de vergonha, insegurança e insatisfação com o próprio corpo (Stice & Shaw, 1994).
Assim, numa idade como a adolescência, onde a aparência e opinião dos outros é tão valorizada, poderá facilmente desenvolver-se a ideia de que “se eu for magra, serei perfeita, serei feliz”. Sendo que na maior parte das vezes este é um sonho irreal e que comporta muito sofrimento para atingir esse ideal que vai contra a natureza e necessidades do nosso corpo.
Ser mais crítico e estimular esta competência nos nossos filhos, em relação à informação que todos os dias nos entra pela casa a dentro, é essencial para evitar que entremos numa luta que à partida já está perdida. Pois lutar contra o que faz parte da nossa natureza, contra o que é o natural em nós humanos, é tentar alterar o inalterável. Por isso resta-nos ser saudáveis e aceitar as formas mais ou menos arredondadas que o nosso corpo tem, elas fazem parte de nós, a nossa felicidade simplesmente vai mais além que isso.
Autora: Inês Custódio