As narrativas da nossa vida são feitas de pessoas, momentos, situações, emoções e reações que parecem ter grande peso naquilo que somos hoje. Estas fazem parte de nós, mas coloca-se a eterna questão: qual será o real peso da nossa história de vida? Até onde é que esta nos define? Estaremos dependentes do nosso passado para viver o nosso futuro?
Recentemente fui levada a pensar novamente sobre esta questão, depois de me dizerem uma frase muito curiosa que partilho agora:
“somos mais resultado que escolha”
De facto, quando pensamos sobre isso rapidamente chegamos à conclusão que somos, em grande parte, resultado de experiências de vida, de relações com aqueles que nos cuidaram e com os outros que fomos conhecendo ao longo do caminho.
Vários estudos em psicologia têm mostrado esta ligação, encontrando experiências comuns no passado de pessoas com as mesmas dificuldades. Parece assim existir uma forte influência das vivências de infância nas dificuldades que temos hoje.
Isto acontece porque ao nascermos o nosso cérebro é altamente plástico e flexível, somos como esponjas, prontas a absorver tudo à nossa volta. Esta é uma competência extraordinária que nos ensina a viver e a adaptarmo-nos à vida com os outros, de outro modo, a nossa vida seria como a de qualquer outro animal no planeta terra.
Porém, já estamos a antever qual é a contrapartida desta nossa característica… Como crianças desprotegidas e completamente prontas a absorver o ambiente, não temos ainda capacidades cognitivas para filtrar informação e para re-interpretar o que nos acontece. Passamos pela situação, ensinam-nos ou percebemos como é que adaptativo lidar com ela e numa situação semelhante usaremos a mesma estratégia, sem questionar.
Desta forma, podemos de uma forma muito genérica traçar alguns exemplos, como o da criança que é muito protegida pelos pais, aprenderá que o mundo é perigoso, tornando-se um adulto com medo de coisas novas e com dúvidas sobre a sua capacidade para lidar com as dificuldades. Do mesmo modo, quando altamente criticada pelos pais, a criança pode interiorizar que de facto “eu não tenho valor” e o mais provável é que se torne altamente auto-critica perante qualquer falha, pois se aqueles mais importantes na sua vida lhe passam esta ideia, como poderá ela acreditar que tem valor?
Contudo, se por um lado absorvemos tudo o que nos é dado desde pequenos, também é verdade que beneficiamos de uma outra característica a que se chama resiliência. Um nome muito complicado para dizer que nada é determinado e que quando adultos e com outras capacidades cognitivas, temos o poder de decidir e ultrapassar as experiencias passadas!
Mas será que isto chega para contrariar anos de aprendizagem?
Será que esta capacidade pode alterar o nosso caminho?
Será que tudo o que está para trás se apaga e passamos a ser escolha em vez de resultado?
Não e sim!
Não porque sabemos que nada se apaga, o nosso passado faz parte de nós, faz parte das nossas vivências, não decidimos apagar tudo e ser uma nova pessoa.
Sim, porque apesar deste passado (resultado) o presente é um momento nosso, este sim pode ser escolha! Apesar de qualquer história, temos a capacidade de nos adaptarmos novamente de aprendermos mais e novas coisas.
Como gosto de dizer, quando nos permitimos a espreitar por cima dos óculos escuros (daqueles pensamentos, daquelas memórias e daquelas aprendizagens do passado que continua a contaminar o presente) vemos que o mundo tem outras cores. Vemos quem queremos ser e, livres destes condicionamentos, acredito que qualquer pessoa pode escolher um caminho diferente.
Não é fácil… não, não é! É até difícil conseguir escolher… porque é ameaçador! Temos medo de ir pelo caminho desconhecido, de experimentar coisas novas, de cortar padrões. No fundo, o desconhecido pode por vezes ser mais assustador que o passado mais horrível. Mas, quando tomamos as rédeas da nossa vida o caminho torna-se cada vez menos sinuoso, cada vez mais fácil de percorrer porque sabemos que é o certo, sabemos que vai de encontro ao que valorizamos e queremos para a nossa vida e não com aquilo que a vida simplesmente nos deu.
Afinal de contas como queremos ser lembrados quando não estivermos cá, aquele (a) que viveu com o que lhe deram ou aquele(a) que viveu com aquilo que o(a) fazia feliz?