Uma das dimensões que distingue as famílias diz respeito aos seus rituais, isto é, à forma como vivenciam as actividades partilhadas, sejam elas de carácter quotidiano, sejam datas festivas, mais esporádicas e pontuais.
Quando pensamos em rituais o nosso imaginário transporta-nos para descrições e relatos de rituais de passagem, cerimónias ou tradições de povos longínquos. Contudo, na cultura ocidental existem também formas de convivência ritualizadas, que divergem das primeiras apenas nos seus conteúdos.
Os rituais são parte essencial da vida familiar, podendo ser entendidos como hábitos de vida relativamente estruturados e repetitivos, através dos quais os membros de uma família comunicam aos níveis manifesto, simbólico e até inconsciente; permitem representar algo que não conseguimos exprimir por meras palavras, ou cujo significado se encontra para além das palavras.
Na literatura encontramos diferentes classificações para os rituais familiares, sendo que podem ser consideradas quatro categorias: rotinas (como os horários das refeições), tradições (de que é exemplo a comemoração da Páscoa escondendo ovos para as crianças procurarem), celebrações (como o Natal ou aniversários) e rituais ligados ao ciclo de vida.
Os rituais constituem momentos no tempo e no espaço em que se torna possível viver e fortalecer ligações afectivas (intra e extra familiares) e alimentar a coesão familiar, constituindo recursos fundamentais para a manutenção e fortalecimento da família, para a reflexão e elaboração do significado da vida (vida enquanto família, enquanto parte da comunidade e de cada indivíduo per si).
Apesar do seu carácter universal, os rituais são expressos de forma diferente em cada família, com cada uma a descobrir e a construir os seus, moldando-os à sua imagem. As famílias tendem a variar na importância que atribuem a cada tipo de ritual, até porque cada categoria enfatiza diferentes aspectos da identidade familiar.
Os rituais cumprem funções opostas: respondem à necessidade de estabilidade e servem de suporte, ao funcionarem como um meio de apaziguar a ansiedade sentida perante a mudança ou transição para outras etapas do ciclo de vida das famílias. Devido ao seu carácter repetitivo, os rituais constituem um elemento estabilizador e reconfortante para os membros das famílias, contribuindo para o estabelecimento e a preservação de um sentido colectivo, ou seja, da identidade familiar.
Deste modo, a perda progressiva das rotinas familiares e rituais nas sociedades ocidentais tem vindo a acarretar consequências. A entropia e o caos instalam-se nas “famílias sub-ritualizadas”, tendo como consequência a perda da identidade, da coesão familiar, a deterioração das relações intra e extra familiares e o isolamento dos indivíduos. O contexto familiar desprovido de rituais pode abrir a porta a formas ritualizadas disfuncionais, como sejam os consumos alcoólicos ou a toxicodependência.
De igual modo, o afastamento dos elementos das famílias, sobretudo na alargada, é cada vez maior, seja pelo aumento das taxas de divórcio, pelo aumento da população idosa, pela mobilidade social, emigração ou a precariedade e instabilidade a nível profissional. Perante estas circunstâncias, muitas famílias podem perder o seu fio condutor, sentindo-se desamparadas e forçadas a recorrer a diversos tipos de apoio externo.
O reatar de rituais familiares, ou mesmo a criação de novos rituais que façam sentido à família, pode inverter esta situação e proporcionar o fio condutor abalado ou mesmo perdido, tornando-a mais coesa e autónoma. Neste sentido, os rituais constituem recursos extremamente importantes para o fortalecimento das famílias, permitindo um restabelecimento das ligações interpessoais, uma elaboração de um significado de vida e uma maior segurança no contexto familiar e comunitário.