O que seria de nós sem vergonha?
Sentimos vergonha nas mais variadas situações de vida. Sentimos vergonha quando fazemos algo errado, quando nos criticam, quando achamos que alguém não gosta de nós, quando nos sentimos desadequados, quando falhamos.
Presente em muitas ocasiões, esta é uma emoção básica de qualquer ser humano, surgindo principalmente no meio das relações sociais que vamos construindo ao longo da vida. Apesar de não ser uma experiência prazerosa, a emoção de vergonha não tem de ser necessariamente negativa.
Assim, podemos definir vergonha como uma experiência aversiva, relacionada com sentimentos pessoais de diminuição e rebaixamento, onde nos vemos pequeninos, impotentes, pouco atrativos, com muitas falhas e por vezes até indesejáveis (Gilbert & McGuire, 1998).
Esta emoção faz parte da panóplia de emoções básicas, aparecendo por volta dos dois anos de idade. E apesar de acharmos que nos limita extremamente a vida ela tem a sua utilidade. Ora se refletirmos um pouco sobre como seria a nossa vida sem a possibilidade de sentimos vergonha, podemos automaticamente pensar em como iriamos regular os nossos comportamentos sociais? Como iriamos entender sinais de crítica e desvalorização por parte dos outros? Como iriamos procurar agradar aos outros? Como iriamos corrigir certos pensamentos?
Provavelmente nada nos iria sinalizar a necessidade de fazer nenhuma dessas coisas, porque é a vergonha que nos faz filtrar muito do que dizemos e fazemos junto dos outros, para agradarmos aos outros e termos uma convivência saudável com estes. Ao mesmo tempo é uma emoção sinalizadora de que algo está errado e que há necessidade de mudarmos o nosso comportamento para agradarmos ao outro e mantermos o seu carinho e amor por nós. Sem ela dificilmente teríamos relações saudáveis e estáveis, uma vez que não iriamos conhecer os limites, a necessidade de mudar ou até a necessidade de nos desculparmos por certos atos (Gilbert, 1998; Gilbert & McGuire, 1998).
Como é esta experiência de sentir vergonha e quais os seus mecanismos?
Para nos alertar que existe algo a fazer, quando sentimos vergonha esta é acompanhada por: diversos pensamentos negativos sobre nós mesmos (ex. “vão achar que sou louco (a)”, “só eu é que não faço bem as coisas”, “quem vai gostar de mim com tantos defeitos?”, “se disser isto vão rejeitar-me”), sentimentos de ansiedade (a cara fica ruborizada, sentimos o coração mais celerado, tremores, as mãos a transpirar, etc…) ou sentimentos de raiva (sentimo-nos tensos, o coração a disparar, etc…) (Gilbert, 1998).
Depois, para lidarmos com ela, utilizamos diversos comportamentos como: calar perante o outro, de forma a não existirem mais repercussões e a não aumentar a imagem negativa que poderá ter de nós (Gilbert & McGuire, 1998); fugimos, evitamos e temos aquela sensação – “se pudesse punha-me num buraco agora mesmo”; ou tentamos apaziguar e corrigir o nosso erro, pedindo desculpa ou fazemos algo que agrade ao outro; ou demonstramos qualidades que este valorize de forma a alterar a sua perceção negativa de nós (Matos, M. Pinto-Gouveia, J. & Duarte, C., 2012). Estes comportamentos pretendem “desligar” qualquer agressividade ou reação negativa por parte do outro, que de outra forma poderia levar a que fossemos rejeitados por estes e excluídos do contacto social (Gilbert & McGuire, 1998).
Assim, podemos concluir que a vergonha está relacionada com o Eu e com o Outro, e a forma como eu acho que o outro me julga negativamente (Gilbert, 1998). Porém, esta continua a ser simplesmente mais uma emoção, que como as restantes tem uma função, muito importante para que possamos manter boas relações e para que possamos proteger-nos de ser excluídos. Lidar com ela de forma adaptativa é muito importante: perceber o que esta vergonha nos diz e ajustar o comportamento, mas sem ficar enredado na emoção. Porque no fim, “tudo o que é demais faz mal” e quando a nossa vergonha se torna excessiva, pode dizer-nos que somos desadequados ou que os outros nos vêm de forma negativa e nos vão criticar ou rejeitar…
Quando esta experiência de vergonha é excessiva, pode levar-nos a evitar estar com os outros ou a estar nas situações sociais com muito desconforto rumo a uma vida de isolamento.
Se a vergonha pesa muito em si, não tenha vergonha de pedir ajuda.