(M)Anorexia
Porque as perturbações de comportamento alimentar não são (mesmo!) só das mulheres
O André tem 21 anos e surge em consulta com dificuldades ao nível do controlo dos impulsos. Em momentos de contrariedade ou frustração, perde a cabeça e reage de modo verbal ou fisicamente agressivo. Só no final da consulta, e quando o questiono, pela segunda vez, sobre questões de saúde ou de desenvolvimento assinaláveis na sua história de vida, verbaliza “aquele acompanhamento psicológico que tive aos 13 anos foi por causa de um problema de anorexia”, sempre com a cabeça para baixo e evitando claramente aprofundar o tema. Noto, e passados já quase dez anos, ainda alguma dificuldade e, mesmo, vergonha, em abordar este tema. O André é um exemplo do estigma associado à anorexia, e às perturbações de comportamento em geral, nos homens.
De facto, a anorexia tem muito mais incidência na população feminina, mas vai aumentando entre os homens – em cem pessoas com anorexia, dez são do sexo masculino. Acresce que este número poderá ser ainda maior, uma vez que nem sempre o diagnóstico é efetuado de forma correta. Os homens que comem em grande quantidade não são criticados do mesmo modo que as mulheres que o fazem, pelo que pode decorrer mais tempo até que sinais de alerta sejam devidamente valorizados. Também, a ideia, mais ou menos generalizada, de que os homens não são afetados pela anorexia, retarda os pedidos de ajuda, enquanto a doença vai ganhando terreno…
A anorexia é mais frequente nos homens muito preocupados com o corpo, que praticam desporto e desejam perder peso por causa da prática desportiva (seja ela formal ou informal), existindo ainda outros fatores de risco para o desenvolvimento da perturbação, como sejam a presença de baixa autoestima, perturbações depressivas e stress.
O “culto do corpo”, bem como a escolha criteriosa dos alimentos ingeridos, são comportamentos socialmente bem vistos e elogiados. Há que ter em conta que o corpo que vai ficando mais “trabalhado” com as mudanças na alimentação e com a prática de exercício físico (excessiva), pode esconder uma realidade preocupante.
À semelhança do que sucede com as mulheres, a anorexia tende a surgir no fim da puberdade, início da adolescência. Nos homens, os sinais de alerta e sintomas a considerar são: o peso muito baixo; a prática de exercício físico intenso/compulsivo (“mania” do ginásio ou do culturismo); a adoção de uma dieta rígida ou, mesmo, abstinência alimentar; a preocupação constante com medições corporais, incluindo o peso – às variações de peso vão correspondendo variações do humor, sobretudo se o peso não for satisfatório – bem como a preocupação obsessiva com as calorias dos alimentos; o recurso a laxantes ou diuréticos; o uso abusivo de comprimidos para emagrecer; a diminuição do interesse sexual e/ou dificuldade em expressar emoções em relação a esta temática; a presença de comportamentos de isolamento ou afastamento social; a existência de depressão ou sintomatologia depressiva ou mau humor; a perda de cabelo; estados de fadiga ou letargia; reações de zanga ou incómodo quando questionados acerca do peso ou hábitos alimentares; fazer questão de cozinhar para os outros e comprar os alimentos; presença de características de personalidade obsessivas, com tendência para o perfeccionismo, rigidez e intelectualização; é, ainda, frequente que exista um historial de excesso de peso.
As consequências da anorexia para a saúde são de diversa ordem. A pressão arterial diminui e o risco de ataque cardíaco é aumentado; existe diminuição da densidade óssea, fraqueza, desidratação (que pode afetar seriamente os rins) e perda de cabelo.
Como as mulheres tendem a ter mais gordura do que os homens, que vão perdendo nas fases iniciais da doença, a evolução da anorexia sem tratamento adequado tende a ser mais “perigosa” nos homens porque começam a perder massa muscular, o que pode ter consequências irreversíveis a longo prazo, mesmo que comecem a fazer uma dieta saudável.
Se considerarmos que mais de 20% das pessoas com anorexia nervosa acaba por morrer pela diminuição geral da saúde, bem como todas as consequências que esta doença acarreta, é fundamental procurar ajuda o mais cedo possível. No caso dos homens, por tudo o que foi referido, é também crucial investir na desmistificação da perturbação, sensibilizando para a diferença entre adoção de hábitos de alimentação e atividade física saudáveis e aquilo que pode entrar no campo da patologia – uma fronteira frequentemente muito ténue.
Rita Fonseca de Castro
Psicóloga Clínica e Terapeuta Familiar
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