«Os miúdos andam obcecados com os jogos.»
«O meu filho só fala no Fortnite.»
«Ela está dependente. Se eu deixasse era o dia todo.»
«Quando lhe digo para desligar o Sims fica irritada, por vezes, fisicamente violenta.»
Identifica-se com algumas destas afirmações? Então, convido-o a ler este artigo sobre a dependência dos videojogos.
Obsessões com videojogos?
Contacto com muitos pais que se sentem apreensivos com o comportamento obsessivo dos filhos em relação aos videojogos e agora recentemente muito preocupados com um jogo em particular, o Fortnite. Perguntam-me o que tem o jogo de tão viciante, se é adequado para a idade dos filhos, se os filhos podem ficar agressivos por jogarem o jogo. O Fortnite é o que está hoje na moda, mas já foi o Clash Royale, o Sims ou o Minecraft. Portanto, a grande questão não é se é o jogo x ou y é prejudicial ou causa dependência. Na generalidade, todos eles são adequados aos miúdos. Não é o jogo em si que está na base de comportamentos de dependência.
Diria que a grande preocupação dos pais se deveria centrar no porque passam as crianças tempo em excesso agarrados às consolas e aos computadores. A obsessão com os jogos tem pouco a ver com os jogos e muito com necessidades psicológicas.
Um jogo como o Fortnite dá resposta e satisfaz aquilo que todos nós, seres humanos, procuramos. Procuramos ser competentes, precisando de sentir mestria e progresso. Procuramos autonomia uma vez que necessitamos de sentir liberdade de escolha. Procuramos afiliação, estarmos ligados aos outros, necessitando de sentir que somos importantes para os outros e que há algumas pessoas que são importantes para nós.
O problema não está nos jogos
A escola e a casa de muitas crianças e jovens que conheço (particularmente dos que se refugiam nos jogos e nas redes sociais) parecem oferecer poucas oportunidades para dar resposta às necessidades psicológicas que mencionem. Em muitas escolas que conheço (felizmente conheço várias exemplos contrários aos que vou realçar) é exigido aos alunos que sejam seres passivos num contexto onde lhes é dito o que comer, o que fazer, o que dizer, o que pensar e sentir. A curiosidade e o desejo de experimentar, a expressão emocional e a assertividade são tantas vezes mal recebidas e tantas vezes entendidas como insolência ou mau comportamento.
Os jogos ajudam as crianças a sentirem-se competentes ao praticarem forças para atingirem o objetivo do jogo. Num jogo, os miúdos têm autonomia para escolher aquilo que querem e para usar estratégias criativas para resolvemos problemas. Em certa medida, os jogos também possibilitam relação, ou seja, mesmo em contexto virtual os jogadores conversam num chat ou em chamada, algo que muitas vezes no contexto não virtual lhes é impossibilitado, por exemplo, porque não podem ir para a rua brincar com os amigos, porque não podem combinar saídas ou ir para casa de um amigo depois das aulas. A maioria das crianças depois da escola continua a ter uma agenda preenchida com atividades extra-urriculres ou é encaminhada para casa onde permanece fechado e em segurança porque os pais entendem que o mundo “lá fora” é perigoso.
Os jogos satisfazem necessidades psicológicas – mestria, autonomia, relação – que outras dimensões da vida dos mais novos parecem não conseguir estar a dar resposta.
Mas não há nada como a riqueza do mundo real! Não existe maior oportunidade de mestria e autonomia do que, na vida real, a criança poder gerar questões sobre o mundo que a rodeia e com alguma autonomia, e confiança dos pais, explorar a realidade tentando resolver alguns mistérios. Também nenhuma rede social consegue dar resposta à necessidade de afiliação e vinculação como as relações cara a cara, como o toque, como o diálogo, nomeadamente (ou principalmente) com as suas figuras cuidadoras de referência.
Quando a verdadeira dependência do jogo acontece é porque surgem indexadas a vulnerabilidade pré-existentes, como a dificuldade em lidar com os impulsos.
Procure gerir, negociar e limitar com flexibilidade o recurso à tecnologia, sem se esquecer que é um modelo para o seu filho. Adicionalmente, procure desde cedo ajudar o seu filho a encontrar um vasto número de interesses e de atividades que o podem entreter e divertir. Por fim, sugiro que desde cedo alimente algo que é natural nas crianças: a sua curiosidade. Uma criança curiosa, que faz muitas perguntas, é uma criança que gosta de explorar o mundo que a envolve e com menor probabilidade se focará numa atividade que dificulta a exploração do mundo ao seu redor.
Deixo-lhe uma sugestão: experimente perguntar ao seu filho como se joga o seu jogo preferido, qual o objetivo do jogo e convide-o a ensiná-lo a jogar. O jogo está lá, mas no mundo real, ele estará a sentir-se competente ao ser o professor dos pais, autónomo na escolha de um método de ensinar e especial por sentir que os pais se interessam pelos seus temas.
Se sente que o seu filho passa demasiado tempo agarrado a jogos e à tecnologia, pergunte-se «a que necessidade está este jogo a dar resposta ao meu filho?»
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