A Tricotilomania
Sabe o que têm em comum Megan Fox, Justin Timberlake, Colin Farrell, Charlize Theron e Sara Sampaio? Não, não é nada disso que está a pensar. Poderão ter em comum variados aspectos mas aquele de que lhe quero falar, quase que aposto que não sabia, ou sabe mesmo o que é. O que eles têm em comum é Tricotilomania. Tric ..… quê? Pois, esta é uma palavra estranha e até difícil de dizer e reter.
Mas o que é a Tricotilomania?
A Tricotilomania é uma perturbação essencialmente caracterizada pelo arranque repetitivo de pelos de diferentes partes do corpo, (cabelos, pestanas, sobrancelhas ou mesmo pelos púbicos), e embora muito comum é pouco reportada pelo sentimento de vergonha que implica. Este comportamento pode ser acompanhado ou precedido por vários estados emocionais, mas o stress e a ansiedade estão diretamente correlacionadas com a presença dos sintomas de tricotilomania. O desejo incontrolável de arrancar os pelos, pode ser precedido de uma sensação de tensão crescente, seguido de uma sensação de alívio, prazer, e satisfação momentâneos e, finalmente, por um sentimento de culpa por os ter arrancado. Também as pessoas que ficam rapidamente aborrecidas, frustradas ou impacientes estão mais sujeitas ao desenvolvimento deste tipo de perturbação.
Em consulta de psicologia recebi a Ana que me disse na primeira sessão. “Estou pelos cabelos!” Habitualmente, dava por si a arrancar o cabelo, comportamento que apesar de detetar não conseguia evitar, não conseguia controlar. Depois de iniciar não conseguia parar. A Ana tinha uma doença comprovada, a Tricotilomania.
A Ana resolveu procurar ajuda no entanto, a maioria das pessoas que sofre de Tricotilomania sente-se isolada no seu sofrimento e pensa que é a única a sofrer desta perturbação. A perda capilar significativa em zonas mais visíveis leva normalmente a uma limitação da vida social, que por sua vez, agudiza o mal-estar.
A Ana tinha sempre o cabelo apanhado e um enorme constrangimento quando ia à praia. Os mergulhos de mar ou piscina, que tanto prazer lhe davam, expunham também a sua enorme falta de cabelo. A pouco e pouco foi-se tornando perita em apresentar desculpas a familiares e amigos para evitar expor-se na praia. Deixou de tomar banho na praia e de usufruir dos prazeres desta actividade.
A Tricotilomania foi recentemente classificada no DSM-5 como uma das Perturbações relacionadas com as Obsessivo-compulsivas. Predomina nas mulheres e os estudos apontam para que entre 2% a 5% da população em geral sofra desta perturbação. Estabelece-se o início da sintomatologia maioritariamente na adolescência (entre os 11- 13 anos). A causa é desconhecida, mas sabe-se que nas crianças as situações de stress psicossocial podem ser desencadeantes (mudanças, modificações bruscas no seu ambiente, vivências traumáticas distintas). Embora seja uma condição psiquiátrica muito comum as suas bases neurobiológicas são desconhecidas. Alguns estudos recentes relatam potencial disfunção neuronal na tricotilomania.
A Ana quando me procurou tinha já algum conhecimento do seu problema. Este foi um passo fundamental no seu processo terapêutico em cuja primeira sessão, embora apenas o início, tornou possível acordar no nosso plano de intervenção. A tomada de consciência dos contextos, situações ou circunstâncias em que o comportamento surgia ou que o agravavam foi um dos aspectos importantes deste processo. Deu-nos a oportunidade de introduzir estratégias terapêuticas que permitiram “desencorajar” a repetição do comportamento.
O nosso plano de intervenção integrou as abordagens atualmente reconhecidas como mais eficazes no tratamento da Tricotilomania.
Utilizei a terapia Cognitivo-Comportamental, para identificação e alteração pensamentos, emoções e comportamentos de forma a reduzir o stress, a apresentar comportamentos mais funcionais e melhorar o controlo do comportamento de arranque dos cabelos. Esta intervenção foi naturalmente de encontro às necessidades e característivas da Ana baseados nas nossas discussões conjuntas, de reflexão e acordo sobre as melhores estratégias para enfrentar as dificuldades e, de monitorização passo a passo.
Introduzimos o treino de inversão do hábito (HBT- Habit reversal training) com o objectivo de tomar consciência de todos os movimentos e introduzir comportamentos alternativos que lhe fossem incompatíveis. (por ex: se tivesse uma bola na mão não podia arrancar cabelos). À Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT- Acceptance and commitment therapy-), abordagens Cognitivo-comportamentais de 3ª geração, fomos buscar estratégias e formas de promover e aumentar a aceitação e tolerância face ao impulso de arrancar o cabelo. Estes comportamentos estão impressos em caminhos neuronais e funcionam em piloto automático tornando-se hábitos e tendem a reaparecer em situações de stress mais elevado. Quanto mais energia gastava e esforço investia na redução ou eliminação do comportamento em mais stress ficava e mais o comportamento se instalava e a atormentava. Com estratégias de Mindfulness a Ana aprendeu a aceitar (não necessáriamente a apreciar ou a gostar) as suas tensões internas sem as querer reduzir, modificar ou eliminar.
À DBT (dialectical behaviour therapy) terapia dialética, fomos buscar a regulação das emoções e a tolerância ao stress de forma a disponibilizar à Ana as estratégias que lhe permitissem fazer face a situações de crise e evitar que os sintomas se agravassem.
O nosso trabalho conjunto permitiu “robustecer” a Ana com conhecimento e ferramentas que lhe tornaram possível identificar os sinais e implementar as estratégias de intervenção necessárias à redução da sintomatologia tornando mais rápido e eficaz o seu tratamento.
Se tem comportamentos repetitivos de arranque de pelos, se tem dificuldade em os controlar, se isso têm impacto na sua vida social, profissional e até auto-estima, se tem vindo a isolar-se por se sentir estranha e diferente dos outros, lembre-se que não é uma pessoa estranha e que muitos atores, atrizes, músicos, e modelos sofrem também com a Tricotilomania. Não tenha vergonha!
Peça ajuda qualificada e marque uma consulta de psicologia. Se conhece alguém com Tricotilomania (vá sei que agora já consegue dizer sem hesitações ) insista para que peça ajuda.
Eu estou por aqui se precisar.
Cristina Sousa Ferreira
Referências:
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