O músculo da vontade
A força de vontade é a capacidade que temos de realizar as nossas intenções, no sentido de chegarmos aos nossos objetivos, e está relacionado com a ideia de auto-controlo, ou seja capacidade de controlar as nossas acões e de inibir os comportamentos mais impulsivos nas situações em que o ganho a curto prazo é confrontado com o ganho a longo prazo. Imagine saborear um gelado cremoso agora, contra o objectivo perder peso.
Daqui a pouco estaremos a chegar ao final da primeira metade do ano. Já pensou nisso? O que fez durante esta metade de 2019? Lembra-se das suas promessas de ano novo?
Quer atingir os seus objetivos, ser mais produtivo, ser mais saudável, fazer dieta e/ou exercício, ter mais actividades de lazer, estudar mais. Normalmente até já sabe o que fazer, começa por uns dias, mas acaba por voltar à sua rotina anterior. Outras vezes, nem sequer começa. Muitas vezes, quando pergunto às pessoas, o que precisam para começar, respondem “agora só me falta a força de vontade”.
Muito do que se tem estudado sobre a força de vontade, é que pode ser comparada um músculo. Chamemos-lhe o músculo da vontade. Se for exercitado ganha força e resistência, se for demasiado exercitado vai quebrar e deixa de conseguir trabalhar até que recupere.
Em termos psicológicos, chamamos-lhe depleção (esgotamento) do ego. O motivo da dificuldade de manter a mudança de comportamentos, é porque muitas vezes dependemos dessa tal músculo da vontade e usamos e abusamos dele até que o esgotamos.
Roy Baumeister e colegas seus, desenvolveram uma série de experiencias onde exploram a força de vontade. Algumas das experiências incluíam resistir a comer doces antes de resolver problemas impossíveis, suprimir pensamentos e depois resistir à toma de cerveja, controlar emoções como não rir num filme de comédia e depois resolver anagramas. Chegaram a esta conclusão: os grupos a quem eram solicitados usar este músculo da força de vontade tinham piores resultados em todas estas tarefas.
Este efeito da depleção do ego, foi um conceito altamente estudado. Mas recentemente, estes estudos foram alargados para outros contextos culturais, nomeadamente na Ásia, onde o conceito de auto-controlo é visto como um recurso que quanto mais é trabalhado, mais se consegue exercer, tal como os músculos! Chamaram-se o efeito inverso da depleção do ego. Alguns estudos mostraram que depois de completar tarefas difíceis, a nível cognitivo, pessoas dessas culturas (India, Japão) tinham mais energia e persistência em continuar a realizar tarefas cognitivamente complexas. Estes resultados também foram obtidos em culturas ocidentais. Parece que a percepção que temos do auto-controlo, ou seja, se é um recurso finito, ou se pelo contrário, quanto mais se usa, mais energia nos dá para continuar, é fundamental para ter a tal força de vontade para atingirmos as nossas metas.
Se a vontade pode ser um músculo, há que treiná-lo! Como fazer para treinar o músculo da vontade?
1. Comece!
Um grande obstáculo para a produtividade, para iniciar um projecto, rumar a um objectivo é este passo: começar!
Existe um mecanismo cognitivo chamado de efeito Zeigarnik, que nos impele a terminar uma tarefa que iniciamos. O facto de planearmos o caminho para chegar ao nosso objectivo, já é suficiente para diminuir esse efeito. Mas ficar apenas no planeamento não é suficiente. É preciso agir! Por isso, se tem os recursos mínimos para começar, inicie o mais depressa. Não espere as condições perfeitas, nem a segunda-feira. Isso é só uma maneira de protelar o início do caminho para a sua meta.
2 – Diminua a carga.
“Seja a pessoa com objectivos ridículos e resultados
impressionantes, em vez de uma das pessoas que têm
objectivos impressionantes e resultados ridículos”.
Stephen Guise
Imagine um continuum. De um lado é a atualidade (por exemplo, tem uma folha em branco) e do outro lado tem onde quer chegar (acabar a tese de mestrado).
Só de pensar nisso, parece que o músculo já se esgotou. O problema é que antes de começar, o cérebro visualiza o pior (a parte maior e mais chata da tarefa) e desvia a atenção para coisas mais pequenas e sem importância para ocupar o tempo. Por isso, uma estratégia é diminuir a tarefa em vários passos bem pequenos. Isto aumenta o sentimento de controlo sobre a tarefa, abre novas perspectivas e caminhos alternativos mais eficientes, e aumenta a motivação com os pequenos ganhos que vamos obtendo.
3 – Regule a resistência
Como temos tendência a poupar energia, o caminho da inércia e dos hábitos que já estão instalados é o mais fácil e não precisa de grande energia para seguir o caminho conhecido. Por isso se precisa de aumentar ou diminuir algum comportamento, regule a resistência para chegar até eles. Ou seja, mude o seu contexto para que a resistência se torne menor ou maior dependendo se quer aumentar ou diminuir certos comportamentos. Por exemplo, se precisa de começar a estudar, limpe a secretária, deixe o livro aberto, e se o que o impede de conseguir isto é sentar-se no sofá a ver tv, então esconda o comando, desligue a tv da tomada. Se precisa de comer mais saudável, deixe à vista comida saudável e retire do campo de visão aquilo que não deve comer.
Imagine correr uma maratona. Sabemos que o desporto nos dá energia, mas se não costuma correr, iniciar com 42 km talvez seja exagerado. E se correr todos os dias os mesmos 100 metros, talvez não consigo completar a mini-maratona… O ideal é estabelecer o seu objectivo, exercitar o músculo da vontade e ir aumentando as repetições para que ganhe resistência, e a carga para que o músculo ganhe força. Se for para tornar mais fácil o início do caminho, talvez seja bom diminuir a resistência. Mas para nos sentirmos satisfeitos, ter aquele sentimento de competência e realização, o facto de alcançarmos mais, ver esse tal músculo da força de vontade a crescer, é crucial.
Cérebro Pipoca
Muitas vezes aparecem adultos em consultório a questionarem-se se não sofrem [...]
Qual foi o interesse que este artigo teve para si?
Bastante útil. Para o caminho do auto conhecimento e impulsionador da “auto motivação”. Bem haja.
O mais difícil mesmo é dar o ponta pé inicial.
Ajudou—me muito nesta fase da minha vida.