Há uma tendência crescente de “psicologia-pop” que alicia ao pensamento positivo como o “remédio para todos os males”. Teoricamente, há benefícios em ter uma visão positiva do pensamento, como melhor gestão de stress e coping e aumento do bem estar físico e mental. O problema não é tanto a tentativa de ver um lado positivo nas situações, mas sim a invalidação e negligência da restante experiência emocional humana, em particular de emoções negativas ou desagradáveis.
A positividade tóxica, como é comumente referido este tópico, desenvolve-se na crença de que independentemente da dificuldade ou quão terrível é a situação, as pessoas devem manter uma mentalidade positiva constante. Assenta numa abordagem extremista que rejeita emoções difíceis/desagradáveis em favor de uma máscara falsamente positiva e alegre. Há uma imposição e sobregeneralização, excessiva e ineficaz, de uma atitude (falsamente) positiva, feliz e otimista seja qual for a situação, mesmo as mais negativas ou traumáticas, silenciando as emoções desagradáveis – nossas e dos outros.
Acontece que, muitas vezes, as pessoas se sentem extremamente desconfortáveis com sensações negativas, quer em si, quer nos outros, então tentam ignorá-las ou dispensá-las tanto quanto possível, o que leva a uma tentativa de moldar a própria narrativa da pessoa – manifestadas em frases como “pensa positivo”, “a vida é mesmo assim”, “temos de estar gratos pelo que temos”, “há pessoas com situações piores”. E por vezes, as pessoas usam estas frases com boas intenções, de forma a tentarem consolar e ser simpáticas, mas acabam por invalidar a experiência dos outros.
Por outro lado, há ainda quem ache que se deve tentar transformar qualquer experiência negativa em algo bom (numa lição de vida, num desafio, uma razão maior para ter acontecido – “olhar sempre para o lado positivo”). Isto faz com que exista uma dificuldade em expressar e partilhar emoções genuínas, pois em vez de encontrarem apoio, vêem os seus sentimentos ser ignorados, descartados ou até mesmo descredibilizados.
No entanto, há determinadas experiências que são demasiado negativas para vermos ou tirarmos algum tipo de aspeto positivo nelas – e está tudo bem com isso. Não precisamos estar bem com elas, não precisamos de tirar uma lição ou gostar que a situação nos tenha acontecido – precisamos apenas de reconhecer que ela aconteceu (aceitar) e continuar a construção da nossa vida à volta dessa situação, sem a ignorar, mas sem a carregar com o peso que ela poderia ter.
Como Kübler-Ross e Kessler explicam, em relação às fases do luto, existe uma confusão recorrente com o termo “aceitação” – aceitar a perda não é estar bem por ela tenha acontecido, é simplesmente admitir que ela aconteceu. A mesma perspetiva deve ser tida com as emoções negativas, no sentido em que nós não precisamos estar contentes que elas estejam presentes, mas identificá-las e reconhecer que são reais é o primeiro passo para que elas sejam trabalhadas e tenham um peso menor em nós – “A cicatriz não desaparece, mas deixa de doer”.
E como qualquer outro elemento tóxico, esta positividade tem consequências negativas para as pessoas. Negar constantemente tudo o que é negativo é desgasatante e não permite construir resiliência com os eventos stressores da vida. Há uma tendência para as pessoas sentirem-se ignoradas, invalidadas e julgadas. Há uma sensação de culpa, como se fosse errado o que estamos a sentir e como se nós estivéssemos a tomar propositadamente uma atitude negativa, como se conseguíssemos controlar/escolher as emoções que sentimos momento a momento. Perpetua uma sensação de que não podemos expressar as emoções porque as pessoas à volta não vão compreender e porque há algo de errado connosco. Resulta em negação e minimização da experiência emocional humana na sua totalidade.
Então, porque é que acontece? A positividade tóxica pode funcionar como um mecanismo de defesa, de evitamento – como as pessoas não gostam de se sentir desconfortáveis, contornam estas situações emocionais para as evitar – e mesmo que não o façamos naturalmente, se as pessoas que nos rodeiam o fizerem com regularidade, começamos também a fazer connosco.
Ainda assim, é preciso clarificar que o pensamento positivo é importante e deve ser recorrido, com peso e medida – há uma diferença entre estes dois conceitos. Ter uma visão positiva da vida é importante, mas nem sempre é possível ter este olhar – a vida nem sempre é positiva, todos lidamos com experiências e emoções dolorosas que são importantes de se sentir e lidar de forma aberta e honesta. O otimismo é ainda um outro conceito que pode entrar na equação – uma atitude positiva importante que nos faz acreditar que um resultado positivo é possível ou provável de acontecer, que nos ajuda a sentir confiantes e motivados para alcançarmos os nossos objetivos.
A psicologia positiva assenta, em parte, nestes dois conceitos, e a premissa central resulta do estudo de uma vida que valha a pena ser vivida, na procura de felicidade autêntica. Há quem diga que a positividade tóxica é uma consequência extrema da psicologia positiva, quando esta se foca inteiramente nas emoções agradáveis e recursos individuais e não permite espaço para acolher as emoções mais dolorosas ou a vulnerabilidade de cada um.
Persiste ainda a ideia equivocada de que um psicólogo é alguém que irá ajudar a olhar para o lado positivo, através de uma conversa motivacional e sem ter em conta as experiências difíceis que possam ter acontecido – o que leva a que algumas pessoas evitem procurar ajuda.
Assim, é importante sublinhar que em terapia procuramos acolher toda e qualquer emoção que apareça, sem julgamentoe garantir que ao procurar-nos sente confiança e segurança para partilhar as sua experiências difícias, sabendo que será ouvido e validado.
Por isso, há um conjunto de ações que podemos fazer diariamente, quer na nossa pratica clínica como na nossa vida pessoal, para evitar termos este tipo de atitude:
- reconhecer que as emoções negativas são normais e parte do ser humano;
- identificar, nomear e aceitar emoções em vez de as evitar ou ignorar;
- falar com pessoas de confiança sobre as emoções até as negativas;
- procurar apoio sem julgamento;
- validar as emoções dos outros, ou seja, compreender e aceitar o que sentem.
Para concluir, o pensamento positivo direccionado para os recursos individuais é importante, tem benefícios e devemos tentar encontrar aspetos positivos, quando estes existem.
Mas também é perfeitamente normal, saudável até, não estarmos bem o tempo todo. Temos de refletir no equilíbrio necessário entre os aspetos agradáveis e dolorosas, da nossa vida, de forma a não reprimir nenhum sentimento e dar espaço ao feedback construtivo para podermos melhorar e mudar.
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