Relações conjugais, desafios virtuais-reais
Nem o endeusamento, nem tão pouco a diabolização da tecnologia – e, incluamos no conceito, a televisão, computador e telemóvel, internet, aplicações, redes sociais e outros que tais – darão, um contributo positivo e salutar para a utilização que é feita das mesmas e, menos ainda, farão justiça ao potencial que todo este “admirável mundo novo” comporta. Responsabilizá-los por separações, situações de infidelidade e outras de crise conjugal, será também tornar as suas costas demasiado largas.
O impacto da tecnologia nas relações tenderá a ser distinto nas diferentes gerações, bem como de acordo com a duração das relações. Com certeza que os desafios serão distintos para um casal que começou a sua relação precisamente porque se conheceu online e que nasceu já em pleno advento da tecnologia e para um outro que já viveu em conjunto o aparecimento de todos estes desafios potenciais. Uma verdade generalizada e incontestável será a de que as relações nunca estiveram tão expostas ao mundo e passíveis de ser fragilizadas/prejudicadas com esta abertura. Contudo, está ao nosso alcance estabelecer limites e decidir se usaremos a tecnologia como um aliado ou uma ameaça às relações. De entre a primeira “categoria” – a tecnologia como um aliado – poder-se-ão considerar os seguintes exemplos:
– Faz com que relações à distância se tornem, efectivamente, mais perto. Existem cada vez mais casais que se vêem perante a necessidade – mais, ou menos, temporária – de manter o seu relacionamento à distância. Apesar de todo o romantismo que a troca de cartas de amor continha, a possibilidade que hoje existe de estar cara a cara com alguém que pode viver a milhares de quilómetros de distância, torna, de facto, o longe, mais perto e diminui as consequências negativas do afastamento. Recordo-me, em especial, de um casal que manteve a partilha do jantar via chamada de vídeo. Não existe câmara alguma que substitua o toque, o cheiro, a proximidade física, mas pode minimizar a falta que os primeiros fazem.
– Aquilo a que chamaria “auto-terapia de casal” – são cada vez mais os casais que, ao se defrontarem com dificuldades de diferente natureza, recorrem às pesquisas online para encontrar formas de funcionamento alternativas, compreender melhor fenómenos tão complexos e difíceis como os bloqueios na comunicação, a infidelidade (com peritos no tema, naturalmente); seguir estratégias e exercícios que estão disponíveis em sites, Youtube, aplicações específicas; e, mesmo, recolher inspiração para fazer programas a dois e concretizá-los.
– Constato frequentemente, em terapia, que os casais usam algumas ferramentas para lhes facilitar a vida quotidiana e, inclusive, ultrapassar alguns daqueles que poderiam ser temas de conflito – os calendários sincronizados, em que cada um coloca os compromissos que vai assumindo a título individual, ou os que envolvem o outro; a elaboração da lista de compras para o supermercado; ou, o plano de divisão de tarefas, são alguns exemplos.
– A tecnologia pode ser facilitadora da comunicação, que se torna mais frequente, o que faz com que haja uma sensação de maior proximidade e mais apoio enquanto o casal se encontra fisicamente afastado. Também é possível que alguns conflitos sejam mais facilmente solucionados/desbloqueados por via escrita do que in loco (aqui coloco a ressalva da comunicação escrita ser também tendencialmente mais propícia ao aparecimento de mal-entendidos).
– Maior à vontade em relação à vida sexual, com recurso, por exemplo, ao sexting, ao envio de mensagens sugestivas, fotografias, etc..
No reverso, as tecnologias podem ser fonte de tensão e stress nos casais, a requererem algumas negociações e acordos, como o do tempo que é despendido em frente a ecrãs, a partilha (ou não) do acesso a emails e redes sociais (há quem recuse dar as suas palavras-chave apenas por uma questão de preservação do espaço individual e acabe por se confrontar com reacções negativas e outro tipo de interpretações). Outras consequências nos casais podem ser:
– Estar juntos, mas separados – se considerarmos que o tempo que os casais têm para estar apenas os dois já é reduzido, imaginemos que, nesse pouco tempo, cada elemento do casal acaba por estar distraído a olhar para o seu ecrã. No mínimo, surgirão sensações de “solidão acompanhada” e desconexão.
– Sobretudo no que diz respeito às redes sociais com interacção, a possibilidade de alimentar desconfianças, ciúmes e, mesmo, comportamentos de natureza quase obsessiva, como o controlo da actividade do outro, deve ser considerada, muitas vezes sem qualquer fundamento na realidade, mas a insegurança, a dúvida e os atritos, esses sim, tornam-se muito reais.
– Alimento da ideia já muito discutida de uma superficialidade relacional cada vez mais dominante e da sensação que algumas pessoas descrevem como a de serem facilmente “descartadas” – o “amor vazio” de que tanto fala o sociólogo Zygmunt Bauman – que pode conduzir a que se desista de relações amorosas quando estas enfrentam desafios maiores pela percepção actual de uma maior facilidade em encontrar com quem estabelecer uma nova, e melhor, relação – não porque a dinâmica relacional o seja, mas porque está isenta do peso causado pela “bagagem relacional”.
Naturalmente que todos os riscos que foram enunciados podem conduzir a conflitos conjugais e fazem com que haja um crescendo na frequência com que se ouvem no consultório as palavras Facebook, Instagram, Tinder, WhatsApp, Email e afins. A solução ou superação destas dificuldades passará sempre, e inevitavelmente, por um investimento numa comunicação cada vez mais empática e eficaz.
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Gosto de saber opiniões de terapeutas ,
Daí , estar sempre a ler artigos vossos
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