Imagine que chega ao escritório e tinha colocado na agenda que a primeira hora estava reservada para trabalhar num determinado documento que estava pendente há uma semana. Já há algum tempo que andava a adiar esta tarefa e, finalmente, conseguiu tirar algum tempo para se dedicar a ela.
Mas, antes disso, passa rapidamente os olhos pelo e-mail. Sem dar por isso, a primeira hora do dia passou enquanto respondia a vários e-mails da caixa de entrada, apesar de não serem urgentes.
De seguida, quando entra na reunião sente-se frustrado por não ter cumprido o seu plano. Nesta reunião iria discutir-se a melhor estratégia para o negócio e sabe que tem fortes convicções sobre o tema. Mas, comprometeu-se a ser aberto e curioso em relação ao que os outros tinham a dizer, ao invés de ser directivo e crítico.
Contudo, em vez disso, sente-se ainda mais irritado, pois estão a descrever uma abordagem que não lhe parece adequada. Impulsivamente, faz um comentário seco e o outro reage defensivamente. Preocupa-se, por um momento, – e com razão – que o tenha interrompido muito rapidamente, mas diz a si mesmo que trabalha neste campo há anos, o vosso resultado é crítico e não tem tempo para ouvir o relatório inteiro. A outra pessoa sai da reunião parecendo estar magoada e derrotada.
Soa-lhe familiar? Facilmente deparamo-nos com este cenário no nosso dia-a-dia e, muitas vezes, de forma inconsciente. Por vezes, sentimos que temos uma dimensão de nós que opera de forma diferente da outra, como se tivéssemos dois “eus”.
Estes “eus” são geridos por dois sistemas separados, em diferentes partes do nosso cérebro.
O “eu” de que estamos mais conscientes – aquele que planeou trabalhar no documento e ouvir pacientemente o relatório – é orientado pelo nosso córtex pré-frontal e mediado pelo nosso sistema nervoso parassimpático. Este é o nosso “eu” preferido para apresentar ao mundo. É calmo, moderado, racional e capaz de fazer escolhas ponderadas.
O outro “eu” é orientado pela amígdala, um pequeno aglomerado de núcleos em forma de amêndoa no nosso cérebro, e é mediada pelo nosso sistema nervoso simpático. Este segundo “eu” assume o controlo sempre que começamos a perceber que podemos estar perante uma ameaça ou perigo. É reactivo, impulsivo e actua amplamente fora do nosso controlo consciente.
Por outras palavas, este “eu” serve-nos num cenário em que um urso está a vir na nossa direcção. No entanto, as ameaças com que nos deparamos hoje em dia são, principalmente, em relação ao nosso sentido de valor e mérito pessoais. Este tipo de ameaças pode parecer quase tão aterrorizante como aquelas para com a nossa sobrevivência, mas o perigo que enfrentamos não é verdadeiramente fatal. Por isso, dar-lhes a mesma resposta como se assim o fossem, apenas piora as coisas.
É nestes momentos que geralmente usamos as nossas capacidades cognitivas para justificar os nossos piores comportamentos. Quando sentimos que não o conseguimos fazer, instintivamente convocamos o nosso “advogado interno” – um termo criado pelo psicólogo socialJonathan Haidt – para nos defender.
O nosso advogado interno é um especialista em racionalizar, evitar, desviar, dissimular, negar, depreciar, atacar e culpar os outros pelos nossos erros e lacunas. O advogado interno trabalha horas extras para silenciar a nossa própria crítica interna e combate as críticas dos outros. Todo este tumulto restringe e consome a nossa atenção e drena a nossa energia.
Então, como podemos trabalhar melhor com o “eu” reactivo?
Obviamente que não podemos mudar o que não vemos, mas compreender o que se passa pode ser uma ferramenta importante para aprender a deixar de defender o valor e criar, por sua vez, o seu próprio valor.
E se conseguíssemos desenvolver a capacidade de observar os nossos dois “eus” em tempo real?
Um observador de si mesmo permite ver os duelos entre os nossos “eus” sem reagir impulsivamente. Também nos dá a possibilidade de pedir ao advogado interno que se retire sempre que venha argumentar com os nossos críticos internos e externos. Finalmente, o observador de si mesmo pode reconhecer, sem julgamento, que são ambos as nossas melhores e piores formas de ser.
Depois, pode fazer escolhas ponderadas, em vez de reactivas, perante situações desafiantes.
Para melhorar a sua capacidade de auto-observação, comece com algumas sensações ou emoções, como a impaciência, a frustração e a zanga. Quando as sentir a surgir, é um forte sinal de que estaria a escorregar para um funcionamento típico do seu “eu” reactivo. Então, comece por dar o nome a cada uma delas à medida que surgem, pois assim, será mais fácil distanciar-se delas.
Além disso, preste atenção aos momentos em que se recusa a mudar os seus planos ou ideias, especialmente quando alguém estiver a tentar convencê-lo a fazê-lo. A convicção absoluta de que está certo e a compulsão para agir podem ser indicadores fortes de que está a sentir uma ameaça ou um perigo.
Também pode ser útil ter um pequeno grupo que se reúna em intervalos regulares para que cada um possa partilhar as suas experiências. Quando partilhamos algo sobre o nosso impulso numa combinação de apoio, comunidade, conexão, este tenderá a aparecer menos e o desconforto diminui. E assim, ajuda-nos a reverter os comportamentos de sobrevivência perante uma ameaça percebida. Um bom ponto de partida é encontrar um colega em quem confia para ser aquela pessoa a quem vai “prestar contas” e poderem procurar um feedback regular entre ambos.
Finalmente, é importante que coloque a si mesmo duas questões em momentos desafiantes: “Que outras razões existem para que isto seja verdade?” e “Qual é a minha responsabilidade nisto?” Ao questionar regularmente as suas conclusões, está a procurar evidências que apoiem o que já acredita. Ao procurar a sua própria responsabilidade, está a resistir ao instinto de culpar os outros e de se tornar uma vítima, concentrando-se no que tem mais capacidade de influência: o seu próprio comportamento
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Vivo isso, a crise de querer ter melhores atitudes, mas não conseguir entender porque não conseguia. Agora farei o exercício de ser o observador de se si mesmo.
Um tema de relevância para o ambiente laboral, sobretudo para líderes. A reatividade é mais comum do que a atenção dada a ela, e pode gerar sérios danos à saúde mental. Afeta o próprio reativo e os que são “alvo/vítimas” desse comportamento. Um artigo sério, provocador, rico e claro. Obrigada.
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