Nas últimas décadas temos assistido a uma significativa evolução da estrutura familiar. Passámos das tradicionais famílias alargadas/numerosas do passado, às famílias mais restritas e, no presente, às famílias reconstituídas. Embora o divórcio se constitua como um momento de crise com múltiplos impactos, não se restringe a consequências negativas. Por exemplo, as crianças de famílias divorciadas “sem conflito parental” estão mais bem ajustadas do que crianças de famílias intactas “com conflito parental”. Neste sentido, a perda pode ser entendida como um ponto de partida, que pode trazer frutos positivos, que permitem aos pais serem felizes noutras relações, proporcionando às crianças a libertação de famílias disfuncionais, ganhando novas famílias e experiências de vida enriquecedoras.
Dado o aumento de divórcios (de acordo com os dados mais recentes, relativos a 2021, por cada dez casamentos, existiram cerca de seis divórcios; em 1960 este rácio era de um divórcio por cada dez casamentos)* as novas famílias constituem-se com um emaranhado de papéis: madrastas ou padrastos, enteados, meios-irmãos, filhos dos antigos e novos casamentos dos progenitores. Quanto maior o número de casamentos e, consequentemente, de “ex” e de descendentes, maior e mais complexa será a árvore familiar. A formação de uma nova família é um processo novo e único, que envolve a necessidade de readaptações constantes, o que pode contribuir para algum stress adicional.
Os pais devem estar particularmente atentos à fase desenvolvimental das crianças dado que existem uma série de mudanças que têm impacto significativo na sua vida.
Para uma criança, ter um novo elemento na família, seja um adulto ou outra criança, poderá ser difícil por várias razões. Pode sentir que o seu progenitor biológico está a ser substituído; pode ser invadido por uma sensação de abandono, ciúme ou competição, quando o progenitor gasta mais tempo e energia com o seu novo cônjuge e/ou com os filhos deste; ou, até, porque assiste ao término da esperança, que ainda poderia ter, de ver os pais novamente juntos. Neste sentido, as atitudes e emoções da criança (como confusão, zanga, tristeza) poderão ser mais instáveis numa fase de adaptação. Investigações recentes sugerem que as crianças menores de dez anos tendem a aceitar melhor um adulto novo na família, especialmente quando o adulto é uma influência positiva. Os filhos com idades entre os dez e os catorze anos podem enfrentar mais dificuldades na adaptação a uma família reconstituída, adoptando atitudes de rejeição e/ou o confronto com o padrasto/madrasta, uma vez que, nesta idade, estão a desenvolver a sua própria identidade. Os filhos poderão criar, também, obstáculos à gestão da parentalidade na nova família, uma vez que podem desejar manter a lealdade para com o progenitor ausente.
Existe um aspeto essencial a ter em consideração: a atenção individual de que cada criança necessita no afeto parental e que não pode ser substituída pelo afeto de um meio-irmão, padrasto ou madrasta. Por isso, quando o número de filhos é maior, ou a dinâmica familiar é estendida entre muitos elementos, é fulcral garantir que tudo é dado na medida certa. Pode experimentar criar o “dia do filho único”, no qual deve dar atenção exclusiva a cada filho, fazendo atividades prazerosas a dois.
O estabelecimento de rotinas, atividades e rituais ajudará a criar um sentido de consistência e previsibilidade nas suas vidas, bem como um sentimento de coesão da nova família.
Seja qual for a configuração da “nova família”, o foco deverá incidir sempre sobre a criação das condições necessárias a que as tarefas e funções parentais sejam desempenhadas de forma adequada para que contribuam para um crescimento e desenvolvimento físico e emocional saudável das crianças e adolescentes.
Dicas para famílias reconstituídas mais satisfeitas:
– Ter paciência e gerir expectativas de forma realista;
– Respeitar as crenças e hábitos construídos nas famílias de origem;
– Aceitar as singularidades de cada um – criança, adolescente ou adulto – e valorizar os seus aspetos positivos;
– Não ter medo de perder o amor de outro elemento;
– Deixar claro aos seus filhos que os ama incondicionalmente e que não são “substituíveis”, independentemente do aparecimento de novas pessoas na sua vida;
– Procurar a maior coerência possível nas práticas educativas com os companheiros e com os pais biológicos;
– Se tiver filhos de outros relacionamentos, não faça comparações nem demonstre favoritismos;
– Metacomunicar sobre as dificuldades sentidas e sobre as emoções de cada um.
Os primeiros tempos poderão ser mais turbulentos e desafiantes mas, com o decorrer do tempo, os novos hábitos e relações familiares vão-se consolidando e, os pais, filhos, padrastos, madrastas e enteados irão sentir-se gradualmente mais confortáveis nos seus papéis. Lembre-se que este grande desafio trará momentos gratificantes e de grande aprendizagem para todos.
* Fonte: INE, INE | DGPJ/MJ, PORDATA
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