O outro lado da ansiedade

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O outro lado da ansiedade

Sabia que 70% das pessoas que sofrem de ansiedade não fazem tratamento ou recebem tratamento inadequado? Consequentemente, os problemas arrastam-se no tempo, durando anos ou até a vida inteira, e podem tornar-se incapacitantes.

Assim, torna-se relevante referir que as indicações clínicas referem que a ansiedade é altamente tratável!

Estudos apontam que a terapia cognitivo-comportamental, nomeadamente as abordagens de terceira geração, são as mais eficazes no tratamento da perturbação da ansiedade. Os pacientes apresentam uma melhoria significativa no início da intervenção, conseguem identificar e controlar os sintomas mesmo depois do processo terapêutico ter terminado.

 

Mas, então, porque ficamos ansiosos?

Na verdade, o nosso pensamento gosta de estar ocupado a inventar preocupações, e de forma engenhosa estamos regularmente a criar situações de catástrofe: eventos difíceis em público, acontecimentos em que não podemos cometer erros, situações em que nos projectamos, criando cenários futuros, e toda e qualquer situação em que possamos pensar. Em alguma medida acreditamos que esta preocupação é relevante e que precisamos dela para evitar os problemas. Contudo, esta ideia é uma verdadeira ilusão, porque faz com que o nosso comportamento seja menos adequado, coloca-nos em conflito com os outros, influencia o nosso sono, limita as nossos decisões e, neste sentido, faz-nos sofrer.

O ponto de partida para aprender a lidar com a ansiedade é compreender que originalmente ela tinha uma função adaptativa. Todos os nossos medos têm, de alguma forma, a sua base na sobrevivência, independentemente do quanto possam parecer irracionais. A preocupação subjacente à ansiedade tinha as suas raízes nas condições de vida primitiva, tal como fundamentam os psicólogos evolucionistas: a ansiedade foi uma das principais ferramentas para a sobrevivência.

Compreender a função evolutiva da ansiedade ajuda-nos a aceitá-la como parte da nossa herança biológica. A boa noticia, é que embora tenhamos nascido com estes medos, eles não precisam de nos controlar para sempre, e claramente não representam perigos reais. Na maioria das situações não aprendemos a ter medo, este é herdado, mas podemos aprender a sentir menos medo. Tal como nas crianças, há muitos medos que surgem na infância, mas que à medida que crescem, estes dissipam-se.

É fundamental para a nossa compreensão da ansiedade que o problema não está em nós, mas sim no estilo de vida que temos. O problema é que o nosso ambiente é mais seguro e os nossos medos são, agora, desnecessários. É o medo certo, no momento errado! Aplicar os padrões que nos protegiam na vida selvagem, no mercado de trabalho, nas relações sociais ou familiares deixa de fazer sentido. Assim a intervenção na ansiedade passa por alterar os padrões de pensamento e adequá-los à nossa realidade de hoje. Ao compreendermos como o medo opera nas nossas vidas, começamos a controlar a pressão que é exercida sobre nós, e começamos a trabalhar o nosso medo de uma forma produtiva.

Portanto, é essencial não esquecer que a nossa mente é o filtro pelo qual vemos a realidade. Como já percebemos a ansiedade não surge por acaso. Quando passamos por uma situação que consideramos difícil de lidar, o medo instala-se e agimos de acordo com um padrão que se instalou em nós há centenas de anos. Os padrões de ansiedade tendem a ter processos em comum, ao compreendermos os mesmos poderemos perceber qual a forma como a ansiedade se gera no nosso pensamento. Assim, podemos referir que existem quatro instruções básicas na origem da ansiedade: detetar o perigo, transformar o perigo em catástrofe, controlar as situações e evitar a ameaça.

 

Detectar o perigo

Esta instrução inicia com a crença de que é preciso antecipar o perigo. É necessário pensar nos diferentes cenários, colocar as diferentes formas de reagir e até perceber se há algum pormenor que não tenha sido considerado, desta forma, estará preparado para lidar com tudo o que acontecerá. Contudo, este tipo de pensamento só irá gerar ainda mais ansiedade e provocar um estado de alerta ainda maior. O cérebro primitivo, que é activado com este pensamento, está organizado tendo por base emoções e não razões. Com este registo de pensamento estão abertos os “arquivos do medo” no cérebro, sendo difícil fechá-los. Todo o pensamento que tenha por base “e se isto acontecer” desencadeia uma busca por mais “e se”, alimentando uma cadeia de pensamento negativo e gerador de grande sofrimento, porque a única evidencia que se encontra é a de que se está em perigo.

 

Transformar o perigo em catástrofe

A crença central refere-se ao facto de todas as consequências negativas que se possam projectar serão intoleráveis se acontecerem. Qualquer situação, mesmo a mais simples, poderá estar repleta de cenários negativos e uma vez identificada a ameaça futura, não haverá descanso enquanto não tiver sido evitada. A forma como os pensamentos ansiosos são encarados é que cria a situação problemática.

 

Controlar as situações

A crença associada a esta instrução é a de que o poder para impedir que as situações problemáticas aconteçam está na própria pessoa. Os pensamentos prendem-se com o facto de a segurança depender da capacidade de controlo de todos os factores externos e fazer algo ajuda a reduzir o perigo.

 

Evitar a ameaça

Esta surge quando o controlo total é impossível, surgindo uma forma eficaz de evitar a ansiedade, evitando a situação como um todo. Aqui a crença subjacente é a de que os perigos podem ser eliminados pela recusa de os enfrentar. Assim, a segurança reside na manutenção da ilusão de segurança.

 

 

Para alterar o paradigma do pensamento ansioso é fundamental reescrever o pensamento e assim teremos um novo enquadramento para a leitura das situações, bem como o impacto que estas têm. Assim, podemos identificar instruções alternativas a cada uma das anteriores.

 

 

Ver as coisas de forma realista

As decisões que são tomadas quando se está num estado ansioso têm por base uma leitura de perigo automático. Qualquer sinal, mesmo que insignificante, poderá ser lido como perigo. Para alterar este pensamento de que tudo é uma catástrofe, poderemos basear a nossa resposta nas seguintes questões:

  1. Estão a ser consideradas todas as informações, ou apenas pensamentos negativos?
  2. As previsões baseiam-se em factos ou apenas emoções?
  3. O meu pensamento está a considerar todos os aspectos, incluindo os positivos?
  4. Qual a probabilidade de acontecer o que temo?

Com a resposta a estas questões percebe-se que a ansiedade não é perigosa, que a imaginação é diferente da realidade e que as emoções não têm a capacidade de prever o futuro.

 

Normalizar as consequências

Apesar de no passado as análises e conclusões sobre os eventos serem catastróficos, é fundamental analisar as situações realisticamente e para isso responder a algumas questões básicas:

  1. O que aconteceu de facto no passado?
  2. O que há de pior e qual a probabilidade de acontecer?
  3. Quais seriam os resultados se o pior acontecimento se verificasse?

A única emergência, na maior parte dos casos, é aquela que se passa no pensamento e a noção de catástrofe é um pensamento, e não um facto. A ansiedade, em si, não é catastrófica, é simplesmente um fluxo de energia que surge quando a leitura que faz das situações é desastrosa.

 

Abandonar a necessidade de controlar

A necessidade de controlar, pelo medo de que as coisas não aconteçam como planeado, é comum a grande parte dos ansiosos.

A melhor forma de lidar com a ansiedade é aprender a praticar intensionalmente os seus sintomas. Estranho? Não, quando perceber que os seus pensamentos, sensações e sentimentos não precisam de ser controlados, a ansiedade diminui. A sua ansiedade é, sem dúvida, a sua resistência à ansiedade. No momento em que o controlo deixar de ser uma necessidade, o pensamento e o corpo relaxam. A ansiedade não precisa de ser controlada, mas sim aceite.

 

Assumir a ansiedade

Se no passado a regra era evitar toda e qualquer forma de ameaça, que provocasse ansiedade, agora a regra é assumir a ansiedade.

O evitamento gera insegurança, incerteza e medo, criando a crença de incapacidade de lidar com as situações. Agora, o treino passa por encarar os eventos como processos de aprendizagem, mas é fulcral perceber que os limites são testados, provocando uma sensação de abandono da zona de conforto. Portanto, as situações tornam-se um desafio, mesmo que provoquem ansiedade.

O cérebro emocional aprende a lidar com situações geradoras de ansiedade, mas para tal terá de as vivenciar. A fuga ao desconforto, não promove a aprendizagem, muito pelo contrário, é pela exposição que se consegue resolver as situações que muitas vezes são consideradas difíceis. Assim, inicia-se uma nova relação com a ansiedade, tornando-se uma boa amiga, e fazendo parte de todo o processo de aprendizagem e crescimento pessoal. Olhar para a ansiedade como professora, que mostra o que se é capaz de fazer, deixa de fazer sentido encará-la como uma ameaça. Esta torna-se num alarme falso que poderá disparar, alertando quando não há nada para alertar, é apenas um ruido, outra forma de sentir.

Deste modo, quando se consegue fazer coisas que causam ansiedade, aprende-se a olhar para as situações sem que sejam perigosas, sem catástrofe associada e necessidade de controlo.

Portanto, é fulcral olhar para o desconforto como um amigo que vai informando que se está a progredir.

 

Este é o outro lado da ansiedade, que qualquer um de nós poderá ter a capacidade de ver e assumir. Já pensou no que é preciso acontecer para que este lado da ansiedade esteja presente na sua vida?

Cláudia Oliveira Almeida
Cláudia Oliveira AlmeidaPsicóloga Clínica
2017-03-17T11:22:32+00:0017 de Março, 2017|
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