O sono é uma necessidade biológica e um marcador de saúde física e mental. Embora com algumas variações individuais, o ser humano dorme, em média, 8 horas, ou seja, cerca de um terço do dia.
Dormir deveria ser fácil, certo? A resposta é Não, para cerca de 33% da população mundial, que segundo as estimativas, apresenta queixas de sono perturbado. A perturbação de sono mais comum é a insónia, que inclui “dificuldades em adormecer (insónia inicial), ou um acordar noturno com dificuldades em voltar a adormecer (insónia de manutenção do sono), ou um acordar muito cedo (insónia final), ou um sono que não é reparador, ou qualquer combinação entre os aspetos anteriores; as dificuldades ocorrem, pelo menos, 3 vezes por semana durante, pelo menos, 3 meses; e a insónia causa perturbação significativa nas atividades sociais, ocupacionais ou funcionamento diurno”. Quem sofre de insónia conhece muito bem os sintomas, o cansaço, a irritabilidade, a sensação de névoa, a pouca energia, as dores de cabeça…
Mas por toda a importância que o sono tem, pode ser surpreendente o quão é frequentemente colocado em segundo plano, menosprezado ou não endereçado. Precisamos compreender, por um lado, o verdadeiro impacto do sono no nosso bem-estar e por outro, porque não dormimos.
O que todos deveríamos saber sobre o sono e a sua importância
O ritmo diário natural do nosso corpo, o ritmo circadiano, é regulado por estruturas cerebrais que ajudam a determinar quando adormecemos e acordamos, ou seja, estados de sono e de vigília.
Dentro dos estados de sono, alternamos entre estado de sono tranquilo/não REM (Rapid Eye Movement) e sono REM. Este primeiro estado, composto por três níveis, mantém-nos o corpo relaxado e permite-nos entrar em sono profundo, e os investigadores dizem-nos que é neste ponto, que se iniciam os processos de consolidação da memória, a glândula pituitária liberta substâncias que estimulam o crescimento dos tecidos e a reparação muscular, e há um aumento de substâncias que ativam o sistema imunológico. No estado sono REM, sonhamos, há uma grande ativação corporal, embora este não mexa, o cérebro elimina informações irrelevantes e aumenta a capacidade de aprendizagem e memória. Num adulto jovem, a arquitetura normal do sono geralmente consiste em quatro ou cinco períodos não REM e REM, alternados.
Por todos os benefícios que obtemos durante o período de sono, não é surpreendente que as pesquisas nos digam que a perturbação de sono aumenta o risco para todas as principais categorias de doenças: cardíacas, cancro, obesidade, diabetes, perturbações neurológicas, perturbações autoimunes e até problemas emocionais ou mentais graves. Uma das hipóteses pela qual a perda de sono impacta tanto a nossa saúde, será porque, como não dormimos, não beneficiamos de todos os processos acima descritos, o que poderá provocar um aumento na inflamação crónica, fator predominante em alguns problemas físicos e mentais. A perda de sono também tem outros custos: sonolência diurna, aumento do risco de acidentes, baixo desempenho na escola e no trabalho, alterações do humor, menores capacidades sociais, motoras e cognitivas e torna-nos menos capazes de lidar com as nossas emoções.
De facto, o sono é um processo fisiológico essencial à nossa saúde e bem-estar geral e as queixas de insónia não devem ser menosprezadas, já que algumas doenças mentais podem trazer problemas de sono, e por sua vez, as perturbações de sono também podem exacerbar os sintomas de muitas perturbações mentais, incluindo a depressão e a ansiedade. Reconhece-se que a relação é circular, com a doença mental e insónia a exarcebarem-se mutuamente. Independentemente disso, as insónias podem (e devem) ser tratadas por si, já que é possível obterem-se melhorias significativas e, porque a falta de sono dificulta o tratamento de qualquer outra situação que possa coexistir.
Por que não conseguimos dormir?
Quando perguntamos às pessoas, o que as impede de adormecer ou as leva a acordar durante a noite, dirão “Estou cansado, estou esgotado, mas não consigo dormir”. Na maioria das vezes, descrevem uma sensação de pensamentos acelerados ou simplesmente não conseguem “desligar o cérebro”. A outra parte disto tem a ver com para onde vão quando vão dormir. E muitas pessoas, quando colocam a cabeça na almofada, elas vão para o amanhã (“O que tenho de fazer amanhã”, “Tenho que levar o carro à oficina”, “Tenho uma consulta”) ou vão para ontem, entrando em processos de ruminação (“quando estava na reunião, não devia ter acontecido…”).
Elas estão cheias de sono, mas estão demasiado acordadas para dormir. Segundo Rubin Naiman, um especialista do sono, uma das hipóteses para este fenómeno é que estamos muito apegados à vigília. Se um sistema passa o dia ativado, hiperexcitado, observamos uma ativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal e um aumento dos níveis de cortisol, do sistema nervoso simpático e do metabolismo ao longo do ciclo circadiano.
Johann Hari traz-nos uma perspetiva mais macro e social, salientando que dormimos cada vez menos, comparativamente a outras gerações, possivelmente porque estamos expostos à luz artificial durante mais horas e até mais tarde, alimentamo-nos mal, dormirmos mal, vivemos em stress, temos elevada carga de trabalho, em cidades em que não nos podemos movimentar.
Embora as dificuldades de sono já existissem, a APA (American Psychology Association) evidencia preocupação com o impacto que a pandemia COVID-19 possa ter tido no aparecimento ou agravamento das dificuldades em dormir de crianças, jovens e adultos. Refere-se a ansiedade e stress provocados pelas consequências diretas (saúde) e indiretas (sócio-económicas) da pandemia, rotinas invertidas, apoio social limitado, maior utilização de dispositivos, menor exposição à luz solar, horários de refeições irregulares, aumento do consumo de álcool e dissolução dos limites entre trabalho e vida privada e descanso, como apenas alguns dos fatores que contribuem para problemas de sono.
Como voltamos a dormir?
Há boas notícias: apesar da insónia ser comum, é tratável, com taxas elevadas de sucesso e melhorias significativas.
Quando falamos de sono, temos de recuar e falar sobre o que acontece antes de irmos para a cama. Não é só o que se faz à noite que afeta o sono, mas o que se faz durante o dia, em termos de alimentação, exercício, estilos de vida. Por isso uma das áreas em que temos de investir é na higiene de sono, de forma a identificar estilos de vida e fatores ambientais que possam contribuir para as dificuldades de sono. O nosso objetivo é maximizar comportamentos de sono saudáveis e falamos de questões ligadas com a alimentação, exercício físico, consumo de substâncias, fatores ambientais e controlo de estímulos.
No entanto, há um aviso à navegação: a higiene de sono, só por si, não funciona para a maioria das pessoas, se sofrem de perturbações de sono, de forma crónica. A higiene de sono será o equivalente da higiene oral: é ótimo e recomendável que escove os dentes e use fita dentária, mas se houver uma cárie, não é suficiente e é preciso uma intervenção diferente. Portanto, a higiene do sono é muito importante, mas se tem uma perturbação mais crónica, precisamos de ir além da restrição de cafeína e do tempo de utilização de dispositivos e procurar um profissional de saúde.
As intervenções psicológicas para a insónia são apoiadas por sólidas evidências científicas, concentram-se nas mudanças de estilo de vida e deverão incluir os princípios protocolados pela terapia cognitivo-comportamental para a insónia (CBT-I).
Para além disto, qualquer intervenção deverá contemplar, para além da melhoria da higiene do sono, o desafio à reflexão sobre as crenças associadas ao sono; o foco ao nível dos pensamentos e no “cérebro que não para” e introduzir temas de desaceleração e regular um sistema nervoso que está desregulado. E esquecemos que quanto maior for a ativação em que nos mantemos, os períodos de desaceleração também têm de ser maiores e mais intencionais.
As propostas terapêuticas deverão incidir nas crenças sobre o sono, questões motivacionais, barreiras à mudança, estratégias de visualização para a contenção, externalização, suspensão de pensamentos; ativação do sistema nervoso parassimpático, através de respiração abdominal, relaxamento, pequenas pausas e pequenos gestos de prazer e bem-estar, ao longo do dia.
Finalmente, tenha em consideração que as insónias podem estar associadas a outras perturbações do sono (por exemplo, apneia do sono) ou fazer parte do quadro sintomatológico de outras perturbações (por exemplo, depressão e de ansiedade), sendo necessário um check-up médico e uma avaliação para determinar se existe algo mais que possa constituir um foco de intervenção.
Garantir a qualidade do sono é contribuir para as bases da boa saúde, física e emocional, por isso, é importante colocar este tema no topo das suas prioridades. Um psicólogo pode delinear consigo um conjunto de recomendações com base no tipo de tendências internas e fatores externos, que afetam o seu sono, que o ajude a ter um sono bom e sólido. Tente, o pior que pode acontecer é nada, e o melhor que pode acontecer é alguma coisa.
Bibliografia Consultada:
APA. (2020). Speaking of Psychology: Psychologically Sound Tips for Better Sleep. Acedido através de:
https://www.apa.org/news/podcasts/speaking-of-psychology/better-sleep-tips
APA. (2021). Growing concerns about sleep. Acedido através de:
https://www.apa.org/monitor/2021/06/news-concerns-sleep
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APA. (2022). Monitor on psychology, continuing education: diagnosing and treating sleep disorders.
Acedido através de: https://www.apa.org/education-career/ce/sleep-disorders.pdf
Hari, J. (2022). Stolen focus: Why you can’t pay attention – and how to think deeply again. Bloomsbury
Publishing: London.
Help Guide & Harvard Health. (2023). The Science of Sleep: Sleep Stages and Sleep Cycles. Acedido
através de: https://www.helpguide.org/harvard/biology-of-sleep-circadian-rhythms-sleep-stages.htm
Naiman, R. (2013). Tami Simon’s interview with Rubin Naiman: Falling in Love With Sleep. Acedido
através de: https://www.resources.soundstrue.com/podcast/rubin-naiman-falling-in-love-with-sleep/
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