Uma realidade virtual é a ilusão natural de personagens ou objectos o que significa que a realidade virtual, não é real.
E quando se esquece que é uma ilusão e se assume como real?
A sociedade atual dá uma considerável importância à aparência e permite até criar a ideia de que ser bela permite alcançar a felicidade o amor e o sucesso. As imagens editadas e retocadas que constantemente nos acompanham nos media criam o medo inconsciente de que as nossas imperfeições são inaceitáveis e que não alcançamos a felicidade se formos menos perfeitos. É assim criada a ilusão de que temos que gostar da nossa aparência todos os dias. Se isto não acontecer podemos não ser felizes ou qualificados para fazer o que gostamos ao nosso melhor nível e muito se tem falado na imagem e na sua importância para carreiras de sucesso.
Filtrar ou não filtrar eis a questão!
As Selfies, tiradas com filtros, podem fazer as com que as pessoas percam o contacto com a realidade, e criem a expectativa de que devem estar sempre perfeitas e arranjadas. Com a expansão da edição de fotos através de tecnologia, o nível de perfeição física, só vista anteriormente nas celebridades, fica ao alcance de qualquer um e espalhado por todas as redes sociais.
Algumas pesquisas mostram que adolescentes que manipulam as suas fotos tendem a preocupar-se mais com a imagem corporal e alguns recorrem às redes sociais à procura de validação sobre a sua imagem. Gostamos que gostem de nós e, gostamos de ser bonitos, porque isso nos cria a expectativa de que vão gostar de nós.
Enquanto que alguns dos filtros das apps podem ser engraçados ou criativos (podem dar-nos orelhas cão ou bigodes de gato) outros estão simplesmente lá para parecermos mais bonitos e criam expectativas de uma perfeição quase sempre inatingível. Com um toque de dedo ou quase que de magia pode-se fazer desaparecer manchas ou sinais, retocar o nariz, redefinir os lábios e parecer que se pertence a uma capa de revista. Aplicações como Snapchat e Instagram, colocaram a tecnologia de aperfeiçoamento de selfies na ponta dos dedos de centenas de milhões de pessoas que as utilizam todos os dias. Algumas chegam a procurar intervenções cirúrgicas ou cosméticas para ficarem parecidos com uma versão delas próprias fabricada por uma destas aplicações. Já não querem o rosto da Angelina Jolie ou o nariz de uma outra qualquer actriz mas uma versão fabricada delas próprias. Em 2017, 55% dos cirurgiões plásticos relataram terem pacientes que lhes mostraram como querem melhorar a sua aparência em selfies. Querem ficar como os filtros que colocaram. A dismorfia do Snapchat é um fenómeno emergente que, de acordo com as pesquisas, faz com que algumas pessoas procurem a cirurgia plástica com o objetivo específico de alterar sua aparência para parecerem um filtro do Snapchat.
Não há bela sem senão!
Não há uma definição universal de beleza. Nem filósofos, nem artistas ou mesmo cientistas a conseguiram definir. A beleza é uma experiência subjetiva, mas é algo capaz de agradar aos sentidos e ser objeto de apreciação. E nós gostamos de ser apreciados e a realidade virtual destas apps cria-nos a ilusão de vamos ser apreciados se formos belos. Como estas imagens se tornaram a norma a percepção das pessoas sobre a beleza também mudou.
Com os jovens a viver num constante casting sentem-se muitas vezes inadequados e feios por não corresponderem na vida real à imagem que criaram no seu computador ou telemóvel, tão apreciada pelos outros. À medida que as tecnologias se tornam omnipresentes (apps de edição de fotos ou filtros) poderemos ter que enfrentar desafios de saúde mental que não podiam ser imaginados antes.
A forma como pensamos no nosso corpo tem importância. Pesquisas demonstram que fazer comparações relacionadas com a aparência pode levar a uma imagem corporal mais negativa. Nestas aplicações estamos em constante comparação com a nossa “pobre” e “feia” realidade. Podemos ficar insatisfeitos com as partes do nosso corpo, mas isso não significa que nos impeça de uma vida satisfatória ou que altere o olhar sobre nós próprios. Ficar preso num detalhe de que não gostamos acaba por ter impacto na nossa auto-estima pois isto sobrepõe-se e esconde outros aspectos que nos valorizam.
Os media mostram uma constante de perfeição e ideais de beleza quase intangíveis e que levam a crer que alcançá-los vai tornar a vida mais preenchida, satisfatória e completa. São assim desvalorizados outros valores como a família, a amizade, a curiosidade, a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal. Passa a haver menos espaço para a auto-aceitação e o desenvolvimento de outras qualidades. Com o tempo é possível que se internalizem os sentimentos de que não se é suficientemente bom, o que pode resultar em baixa auto-estima, menor autoconfiança e sentimentos de tristeza e depressão.
Cada vez mais cedo assistimos a jovens a investir em tratamentos de vários tipos, (de cirurgia plástica a procedimentos estéticos) para modificar o seu corpo tratando-o como um objeto que se pode manipular ou como uma ferramenta para alcançar os seus objetivos. Os jovens acabam por ser condicionados por exigências de beleza virtual sem originalidade.
A experiência humana com todos os seus altos e baixos é bela e mais completa em si mesmo e se retocarmos todas as partes feias perdemos a autenticidade e capacidade de aceitar imperfeições em outras áreas da nossa vida.
Será que o uso destas aplicações pode levar à Dismorfia Corporal?
O ambiente desempenha claramente um papel no desenvolvimento da dismorfia corporal, mas só por si não é suficiente para a causar. Muitos podem ter imagem corporal não satisfatória, mas só 2,4% terão dismorfia corporal. Assim como tristeza não é depressão, dismorfia corporal é diferente de insatisfação com a imagem corporal.
Obsessão, comparação ou talvez não!
Imagens de ideais de beleza estão em todo o lado, e em cada vez mais canais, revistas TV, cinema, online revistas, filtros, anúncios, jogos, apps. A obsessão pela beleza não é de hoje e tem sido alimentada por imagens e campanhas de marketing e moda e padrões de beleza pouco razoáveis ou impossíveis. Tem sido alvo de preocupação pela comunidade científica pois padrões de beleza inatingíveis podem resultar em sentimentos individuais de falha ou a sensação de não se ser suficientemente bom. Não há evidência científica sobre um impacto directo, mas como um trigger num terreno já vulnerável, não há dúvida que atinge a auto-estima.
É importante salientar que os media não estão a exacerbar os problemas de saúde mental, mas estas campanhas podem ser particularmente prejudiciais para jovens que já são susceptíveis à insatisfação corporal ou têm pouca consideração pelo corpo.
Faz parte da natureza humana fazermos comparações e infelizmente muitos de nós chega à imprecisa conclusão de que não chega aos “calcanhares dos outros” seja em que aspecto nos estejamos a focar: imagem, capacidade intelectual, humor… A comparação traz uma avaliação e juízo em que raramente ficamos a ganhar. Um dos maiores problemas das redes sociais é que tornaram muito mais fácil a comparação com amigos e seguidores.
A adolescência é um período de entusiasmo total, mas também de tormento com longas lutas diante de um espelho para reconhecer e aceitar um corpo repentinamente novo. Este é um terreno particularmente fértil para o aparecimento de perturbações como a depressão, a dismorfia corporal, perturbações do comportamento alimentar e outras patologias.
Os adolescentes mudam e adaptam-se ao mundo actual. Padrões inatingíveis podem ser esmagadores especialmente para jovens que procuram orientação num mundo ao seu redor à medida que se desenvolvem e amadurecem no seu processo de identidade e afirmação. Estes padrões de imagem perfeitas afectam homens e mulheres e estão a aumentar nas idades mais precoces, entre os 10 e 20 anos. O ambiente desempenha um papel enorme no início de uma insatisfação corporal e baixa auto-estima uma vez que vivemos nesta cultura desordenada onde a magreza e padrões específicos de beleza são sobrevalorizados e podem provocar algum grau de insatisfação corporal independentemente da sua biologia ou psicopatologia subjacente.
Em determinada altura do nosso desenvolvimento percebemos que nunca vamos alcançar esses objectivos, porque fomos socializados em diferentes famílias com experiências diferentes, e passamos a acreditar que o nosso valor não está ligado apenas à aparência. No entanto o caminho para esta realidade é diferente para cada um de nós.
Viva o #nofilter
Há uma razão pela qual #nofilter existe. Publicar uma foto sem filtros ou retoques hoje em dia é quase inédito. A manipulação das imagens e as fotografias retocadas existem ainda antes destas novas tecnologias e era utilizada para retocar imagens de paisagens, pessoas ou celebridades e até animais por exemplo com Photoshop. Embora existam, desde há décadas, softwares que podem fazer alguém parecer melhor em imagens, produtos como o Photoshop, da Adobe, exigem um certo nível de conhecimento para serem utilizados. As novas aplicações colocaram a tecnologia de aperfeiçoamento da imagem à disposição de centenas de milhões de utilizadores.
A polémica de que podem provocar insegurança, ansiedade e baixa autoestima a quem se vê confrontado com as imagens (editadas) de modelos e celebridades com corpos magros, uma pele impecável e um cabelo perfeito, também não é nova. Esta discussão, relativa à alteração das imagens surgiu já em 2011, altura em que a Associação Médica Americana, emitiu um parecer sobre o impacto deste ideal de beleza veiculado pelos media nos jovens mais vulneráveis e potenciais terrenos de perturbações quer de comportamento alimentar quer de dismorfia corporal. Este alerta levou a que vários atores, como Kate Winslet ou o Brad Pit, se manifestassem contra as imagens editadas há alguns anos atrás. Desde essa altura um cada vez maior número de celebridades tem-se manifestado contra as imagens retocadas pelo impacto na autoestima de quem as vê como o fez a Lady Gaga recentemente. Na verdade, somos capazes de uma vida plena e bonita mesmo com corpos imperfeitos e cometendo erros.
Decidir recusar ou aceitar os ideias de beleza que nos cercam não é fácil, mas há cada vez mais exemplos nos media e veiculada por celebridades com o foco na saúde física e mental o que coloca um estigma em cima dos que continuam a “filtrar” as suas imagens e a publicá-las.
Todos temos uma escolha. Podemos aceitar os ideias de beleza ou resistir-lhes. Ao resistir-lhes estaremos a trabalhar para os mudar.
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