Quantos de nós, já nos sentimos presos ou estagnados num problema? Quantos de nós já sentimos estar constantemente a pensar no mesmo tema, sem uma solução à vista? Da mesma forma que a estagnação surge, as diferentes soluções também podem surgir, fruto de um trabalho de análise e reflexão, ou de repente, quando menos esperamos, quando estamos a dar um passeio, ou no chuveiro, ou a lavar a loiça, por exemplo. Estes momentos “A-ha” permitiram algumas das maiores conquistas da Humanidade na ciência, na medicina, na matemática e nas artes. Os nossos momentos “A-ha” embora não tenham de ter um impacto tão dramático, não deixam de ser importantes e libertadores, já que nos podem fazer sair da estagnação. A esta capacidade de resolução de problemas e produção de alternativas, chamamos criatividade.
O que é exatamente a criatividade?
A definição padrão caracteriza as ideias criativas como aquelas que são originais e eficazes. John Kounios, por sua vez, um investigador especializado no tema da criatividade, argumenta se será uma boa definição: “fará sentido dizer que um poema é útil ou que uma pintura é eficaz?” Para além disso, a criatividade não pode estar só e não é apenas arte, a criatividade ocorre na ciência, na vida quotidiana, e está subjacente a muito do que valorizamos, como a inovação, prazer e entretenimento.
John Kounios salienta como um bom marcador da criatividade o pensamento divergente: a capacidade de gerar muitas soluções possíveis para um problema, e a capacidade de pegar em vários elementos do pensamento, decompo-los e organizá-los em algo novo. Outra maneira possível de pensar em criatividade é considerar a capacidade de “improvisação”, ou seja, a capacidade de lidar com situações novas, com base ou não, nas experiências passadas, mas ajustando ao que está a acontecer no presente. Assim, criatividade pode ser pegar nas notas da escala musical e reorganizá-las para criar uma nova melodia, criar uma maneira diferente de fazer com que o seu filho coma vegetais, descobrir estratégias que otimizem o seu tempo, considerar diferentes maneiras de falar com o seu chefe sobre um tema importante, etc. Todas podem ser formas de criatividade.
Como é a criatividade no cérebro?
A criatividade é o conjunto de “muitos mecanismos diferentes que, em circunstâncias ideais, funcionam juntos de forma contínua”, diz-nos John Kounios. Esse processo parece envolver a coordenação entre a rede das funções executivas como planeamento e resolução de problemas, e a rede que é mais ativa durante divagações mentais ou devaneios. Dito de outra maneira, podemos considerar que envolve os processos dos sistemas definidos por Daniel Kahneman (psicólogo e investigador sobre a tomada de decisão): o sistema 1 que implica pensamentos rápidos e inconscientes, momentos “A-ha” que irrompem na consciência; e o sistema 2, que inclui um pensar lento, deliberado e consciente. A criatividade pode usar um ou outro sistema, ou uma combinação dos dois, já que poderá usar o pensamento do tipo 1 para gerar ideias e o pensamento do sistema 2 para criticá-las e refiná-las.
Existe também outra variável para o caminho que o cérebro percorre para a centelha criativa: a experiência. Por exemplo, foi investigado o que acontecia no cérebro dos músicos de jazz, enquanto improvisavam no piano. Os investigadores descobriram que, para músicos altamente experientes, os mecanismos usados para gerar ideias criativas eram em grande parte automáticos e inconscientes, e vinham da parte posterior esquerda do cérebro, enquanto que os pianistas menos experientes recorreram a processos cerebrais mais analíticos e deliberativos, na região frontal direita. Os pianistas menos experientes resolveram o desafio da improvisação, através de uma criatividade mais deliberada e pensada, por assim dizer. Os especialistas não fazem isso. À medida que nos tornamos familiares com a tarefa, o hemisfério esquerdo tem esta capacidade de tirar proveito da experiência consolidada, há uma criatividade praticada e fluída.
Mas como nos tornamos mais criativos?
A criatividade é uma habilidade e, como qualquer habilidade, quanto mais se pratica, melhor se acede a ela. Por exemplo, pode ser interessante experimentar deixar a mente vaguear, para que as ideias fluam. Poderá gerar ideias e depois poderá usar o pensamento analítico, para restringir o foco e editar, avaliar, talvez possa ajustá-las, torná-las melhores. Este ciclo permite oscilar entre os dois sistemas mencionados anteriormente. Neste seguimento, não é por acaso que as pesquisas sugerem que passar tempo na Natureza pode aumentar a criatividade. Isto pode ser porque a Natureza tem uma capacidade restauradora da atenção, ou porque num espaço amplo, a atenção percetiva expande-se, o que permite aumentar a divagação mental benéfica e estimular a criatividade.
Provavelmente, uma das maneiras mais poderosas de estimular a criatividade é dormir: uma boa noite de sono potencia o humor positivo e durante o sono, o cérebro tem um sistema de “limpeza” que permite uma reorganização do conhecimento e da informação.
Finalmente, não podemos esquecer que uma das formas para expandir a nossa criatividade será: praticar criatividade na nossa vida quotidiana. Por isso, seja a passear mais na Natureza, a desenhar, a escrever, a fazer tricot, a experimentar uma nova receita na cozinha, a praticar yoga ou artes marciais… A criatividade parte da curiosidade e da disponibilidade para aprender coisas novas e a experimentar o mundo de novas maneiras.
Porquê sermos mais criativos? Uma questão de saúde e um super poder
A ciência continua a revelar evidências encorajadoras sobre os benefícios da criatividade para a saúde mental e bem-estar. O envolvimento em atividades criativamente estimulantes não só ajuda a reduzir o stress e a ansiedade, reduz sentimentos de negatividade ou angústia, mas também pode melhorar o humor, a função cognitiva e a sensação de bem-estar psicológico, em geral.
Destaca-se ainda, que quando nos envolvemos em atividades criativas, podemos entrar num estado de fluxo (flow state), termo do psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, que se caracteriza por estar completamente absorvido e focado, imerso no momento presente, e que está ligado a uma experiência positiva de foco, felicidade e realização, sendo o oposto de estar em conflito ou sentir-se preso, e é incrivelmente prazeroso. Além disso, quando nos concentramos em algo que é desafiador e/ou divertido, criamos novos caminhos neuronais, aumentando a conectividade no cérebro e somos banhados por neurotransmissores, que para além da sensação de bem-estar, nos permite criar formas alternativas de ver as coisas.
Todos nós temos a experiência de ficarmos estagnados. A criatividade poderá ser um dos antídotos para estas situações, seja pelo impacto positivo e prazeroso do processo criativo, seja porque o produto final traz a criação de uma nova ideia ou solução inovadora para um problema. Aliás, muitas vezes, em contexto psicoterapêutico, os temas refletidos espelham esta falta de opções de resolução. Da mesma forma, este contexto terá de ter, por definição e/ou terá de cultivara criatividade. O desafio encontra-se, exatamente, na importância de abordar um problema de vários ângulos, o que ajuda a aprimorar a capacidade de pensar de forma crítica e criativa. A criatividade acaba por ser uma questão de saúde e um super poder. E como nos diz John Kounios “A criatividade tem um valor incrível no mundo real. O objetivo final é descobrir como melhorá-lo de forma sistemática.”
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Bibliografia:
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https://www.apa.org/monitor/2022/04/cover-science-creativity
APA. (2021). Speaking of Psychology: Creativity, insight, and “eureka moments,” with John Kounios, PhD.
Acedido através de: https://www.apa.org/news/podcasts/speaking-of-psychology/creative-insight
Anwar, O. (2022). The Mental Health Benefits of Creativity You Should Know. Acedido através de:
https://healthwire.pk/healthcare/the-mental-health-benefits-of-creativity-you-should-know/
Lewis, J. (2023). Art with creativity is your secret advantage for mental health. Acedido através de:
https://www.zellalife.com/blog/art-with-creativity-is-your-secret-advantage-for-mental-health/
Field, B. (2021). How Creativity Positively Impacts Your Health. Acedido através de:
https://www.verywellmind.com/how-creativity-positively-impacts-your-health-5113162
Criatividade, para que te quero?
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Boas ferramentas da reflexão à prática. Quanto mais migalhinhas formos interconectando melhor preparados estaremos para os desafios diários
Leitura de reflexão para gerir e digerir muitas vezes. Conteúdo importante como auto ajuda. O bem estar sustenta-se com recurso à criatividade sem preconceitos e sem defesas intransponíveis. Há sempre formas airosas leves de enfrentar constrangimentos