Sinto-me constrito – muitas vezes quero expressar-me e não consigo. Parece que algo morre na garganta. Fico a pensar na forma como posso ser visto, se vão gozar comigo, se aquilo que faço é bom ou não… Enfim, em última análise acabo por não fazer nada, e acabo por me martirizar por isso.
Alguém, 2023 – provavelmente.
A qualquer momento da nossa vida tivemos um momento de inspiração – quisemos criar qualquer coisa nova; seja pelo desenho, por um discurso, com o estilo de roupa que se escolhe, um novo projeto na empresa, numa combinação estranha de acordes, etc. Linhas de código podem ter contornos belos, tal como a Mona Lisa.
Desde as pinturas rupestres nas cavernas do berço da humanidade, até ao post do Instagram demonstram o mesmo – o desejo de expressão. É um processo da nossa natureza, somos criaturas profundamente sociais. Precisamos dos outros para subsistir, e para tal efeito, é necessário desenvolver relações com os outros – Necessitamos de ser vistos.
De acordo com Rollo May, psicoterapeuta e autor influente no campo da psicoterapia existencial, a criatividade é uma parte essencial da natureza humana. May acredita que a criatividade está profundamente enraizada na existência humana e é uma expressão autêntica da individualidade e liberdade pessoal. Para o autor, a expressão criativa transcende a conceção de produção artística, sendo uma força vital que permeia todos os aspetos da existência humana. Desde o desenho ao discurso, à roupa escolhida, ao post do Instagram. No entanto, muitas vezes é difícil pôr o que temos cá para fora – muitas vezes apaga-se a fotografia que queríamos pôr na rede social de escolha.
Demorei quatro anos para pintar como Raphael, mas precisei duma vida inteira para pintar como uma criança – Pablo Picasso
O que permite então, uma pessoa ser criativa? Talento? Inteligência? Ou algo diferente?
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Uma das definições da criatividade é um processo onde se cria algo novo que previamente não existia, uma abordagem nova a um problema velho, ou ter ideias originais. Essencialmente, algo novo. Para este processo, somos desafiados a nos confrontar com nossas próprias limitações e com limitações do nosso meio. O processo criativo exige a procura de novas possibilidades de ser e de agir.
Desta perspetiva, envolve abertura ao mundo, resiliência/resistência à frustração e espontaneidade. A espontaneidade refere-se à capacidade de agir e expressar-se de forma autêntica, sem restrições autoimpostas ou inibições. É a liberdade de ser verdadeiro consigo mesmo e de se manifestar livremente, sem medo do julgamento dos outros. A pessoa espontânea é capaz de expressar suas emoções e pensamentos de forma genuína, o que resulta em relacionamentos mais autênticos e significativos.
A abertura à experiência, por sua vez, refere-se à disposição de explorar e acolher novas ideias, sensações e perspetivas. Envolve uma mente curiosa, recetiva e flexível, capaz de assimilar e integrar novas informações e experiências.
Em contrapartida, uma pessoa que seja crítica, fechada em si mesma, não disponível e não capaz de enfrentar os limites do mundo que a rodeia, ou os seus mesmos limites (como por exemplo, ter que aprender acordes musicais, ou treinar o traço num desenho) terá dificuldade em poder expressar ou em treinar certas habilidades ou capacidades. Seja por ansiedade ou medo de não conseguir desempenhar da forma como gostaria, pelo perfeccionismo “Só faço se ficar perfeito”, por acreditar que é insatisfatório “nunca vou produzir nada de bom”, ou ter tentado e sido criticado por isso e como tal fica frustrado etc. Todos estes fatores podem levar uma pessoa a estar mais reticente a ser aberta com o mundo, autêntica e espontânea. Todos temos este tipo de pensamentos, sendo que, no processo criativo necessitamos de conseguir “tolerar” ou baixar a intensidade destes sentimentos.
Todos estes aspetos estão intimamente relacionados no processo criativo. Quando alguém se permite ser espontâneo, está aberto a se envolver plenamente no momento presente e a explorar novas maneiras de ser e agir, aceitando e gerindo os receios e frustrações que possam surgir.
Para o leitor interessado, compreender, cultivar a espontaneidade e a abertura à experiência pode trazer uma série de benefícios. Seja para o processo criativo ou para a generalidade da existência. Estas qualidades promovem um maior autoconhecimento pois ajuda a superar barreiras emocionais e comportamentais e a expandir a visão de mundo. No entanto surge a questão – como podemos cultivar e desenvolver estas competências?
Curiosamente, tal como a espontaneidade, para a criatividade e para a abertura ao mundo a abordagem é relativamente semelhante. Envolve estarmos cientes dos processos críticos e praticar uma espécie de autoaceitação radical, sair da nossa zona de conforto – mesmo que, de forma forçada, praticar as habilidades em que gostaria de ser mais criativo, e por fim, conhecer-se melhor, e os seus limites e frustrações.
Às vezes é difícil fazer este processo sozinho e pode ser benéfico ter uma pessoa cocriadora neste processo, podendo ser importante em certas situações fazer psicoterapia para desbloquear o que possa estar a criar este impasse.
Em resumo, a espontaneidade e a abertura à experiência são elementos-chave no desenvolvimento pessoal, da autocompreensão, e na criatividade. Ao cultivar essas qualidades, podemo-nos libertar das restrições autoimpostas, descobrir novas perspetivas e nos conectar de forma mais autêntica connosco mesmos e com os outros.
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Referências e leituras adicionais:
Rogers, C. R. (1995). Becoming a person: A therapist’s view of psychotherapy. Mariner Books.
May, R. (1994). The courage to Create. W. W. Norton & Company.
Tillich, P. (1952). The courage to be. Yale University Press.
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